Embora tenha ganhado espaço modesto no Brasil, com breves citações em revistas, jornais e noticiários televisivos, o caso O.J. Simpson é um tanto emblemático nos EUA e certamente influenciou a maneira como consumimos a notícia hoje. Ocorrido numa época na qual não havia internet nem vídeos amadores feitos com celulares, foi um verdadeiro reality show – transmitido praticamente em tempo real dentro de todas as possibilidades que a época permitia e acompanhado por mais de 90 milhões de espectadores americanos.
Em 12 de junho de 1994, os corpos da ex-mulher do jogador de futebol americano O.J. Simpson, Nicole Brown Simpson, e de um amigo dela, Ronald Goldman, foram encontrados esfaqueados na casa de Nicole em Los Angeles. O.J. Simpson, que também era ator e, na época, uma das personalidades mais conhecidas dos EUA, foi indiciado por duplo homicídio. Simpson acabou absolvido em outubro de 1995. Dois anos depois, um júri civil o considerou culpado pelas mortes, e ele foi condenado a pagar uma indenização milionária às famílias de Nicole e Goldman. Em 2007, o ex-atleta foi condenado à prisão por um assalto à mão armada – ele diz que tentava recuperar de negociantes artigos esportivos que eram seus.
Poderia ser apenas a veiculação de mais um crime brutal, mas, entre a acusação e a absolvição de Simpson, um ano depois, criou-se um verdadeiro circo midiático: transmissões infindáveis sobre o caso, perseguições transmitidas pela TV em tempo real, simulações do julgamento, capas e mais capas de revistas e jornais, transmissões no rádio, além de discussões paralelas que envolviam questões ligadas a racismo (O.J. Simpson é negro, as vítimas eram brancas).
Foi a primeira vez que um crime foi tão destrinchado e revirado pela imprensa, criando praticamente um novo conceito de “fazer notícia”. Atribui-se ao caso de Simpson diversos fenômenos culturais que vieram a seguir e que são tão familiares hoje: os canais de “notícias 24 horas”, um fluxo interminável de reality shows na TV e na internet, a sede insaciável por fofocas de celebridades.
No dia do veredicto, praticamente todas as emissoras americanas transmitiram o anúncio: desde os maiores canais do país – ABC, CBS, NBC e Fox – às emissoras de notícias – como CNBC e CNN –, canais esportivos, como ESPN, e aqueles voltados ao cultos das celebridades, como E!. Estima-se que, naquele momento, 91% dos televisores nos EUA estavam sintonizados no julgamento.
Revolucionário e arriscado
Emissoras como Court TV (atual TruTV, canal especializado em reality shows) e CNN e tomaram a decisão ousada de cobrir cada reviravolta do caso, não importando o quão sem sentido esta parecesse. Àquela época, isso era revolucionário e talvez até um pouco arriscado; nunca um evento havia sido acompanhado tão continuamente.
Dan Abrams, atual co-âncora no programa Nightline da ABC, tinha apenas 28 anos de idade quando foi escalado para cobrir o caso O.J. Simpson. Ele diz que, à época, ficou bem claro que aquela cobertura jornalística seria diferente de tudo que já havia sido feito até então.
Muito do interesse da emissoras foi reflexo a uma reação dos espectadores: qualquer outro tipo de programação estava sendo ignorado. De repente, a decisão de acompanhar o caso minuto a minuto pareceu brilhante; a mídia estava apenas alimentando uma avidez nacional.
Mark Crispin Miller, professor de mídia e cultura na Universidade de Nova York, diz que o caso Simpson era um “prenúncio de um cenário de mídia totalmente diferente, um acontecimento que ocupou integralmente a vida de todos por meses a fio”. Miller diz que, 50 anos atrás, um caso assim teria deixado o telespectador ultrajado. “Agora, ninguém vive sem este formato de transmissão ávida”.
O jornalista da CBS Jack Ford (que à época cobriu o julgamento para a NBC News), disse que todos sabiam que se tratava de uma história grandiosa, mas que ninguém tinha previsto como o público investiria nela.
O caso O.J. Simpson seria apenas “mais um” hoje?
Lisa Suhay, correspondente do Christian Science Monitor, questiona se os jovens de hoje – frequentemente inundados por informações via internet – compreenderiam o impacto do caso O.J. Simpson e o consumiriam da mesma forma como ocorreu há 20 anos. Fazendo um paralelo com o pouco destaque recebido pelo caso do atleta Oscar Pistorius, em julgamento acusado de assassinar a namorada, ela acredita que talvez não.
Lisa diz que essa nova maneira de absorver notícias é preocupante, e que os pais devem auxiliar adolescentes e jovens adultos a compreender a gravidade e impacto social das notícias, principalmente quando estas estiverem sendo absorvidas através do que ela chama de uma “osmose da mídia moderna completamente moldada por mídias sociais e por informações de segunda mão passadas através de amigos”.
De acordo com uma pesquisa do Pew Research Center, a maioria dos adolescentes e jovens adultos recebe notícias a partir da Internet – isso quando se preocupa em entrar em contato com as notícias.
Lisa reitera que um caso como o de O.J. Simpson poderia até alcançar notoriedade, algum nível de fascinação ou interesse, mas que se perderia em meio à enorme massa de informação que os jovens recebem atualmente. “Graças à Internet”, diz ela, “mesmo os grandes acontecimentos têm muito menos impacto e poder de permanência”.
Ela diz, no entanto, que os pais devem se lembrar de que seus filhos vivem em outra cultura, imersa na internet e em alta velocidade, e que seus horizontes são grandes demais para se encaixar nas experiências anteriores de absorção de notícias, quando ficava-se grudado à TV por não haver computadores ou smartphones.
“O que podemos fazer é continuar a apontar os acontecimentos atuais significativos, talvez publicá-los nos murais do Facebook de nossos filhos e compartilhá-los via outros feeds de mídias sociais”, aconselha Lisa. “É a oportunidade para conectá-los às histórias que importam”.