“A mídia ocidental está em crise e virando as costas para o mundo. Mas nós quase nunca percebemos”. As palavras são de Anjan Sundaram, jornalista indiano que lançou este ano o livro Stringer: A Reporter’s Journey in the Congo (Stringer: a viagem de um repórter ao Congo, em tradução livre), onde fala sobre sua cobertura da Guerra do Congo, que já contabiliza mais de cinco milhões de mortes desde 1996.
Em artigo publicado no domingo [27/7] no New York Times, Sundaram fez duras críticas ao modelo de jornalismo atual, questionando o volume opressor, porém vazio, de notícias.
Necessidade de vivência
Para demonstrar a importância do jornalismo de campo, Sundaram contou um pouco sobre o período em que cobriu a guerra na República Democrática do Congo como jornalista freelancer nos idos de 2005/2006. Disse que viajou só com a passagem de ida, sem emprego ou qualquer promessa de publicação, “com apenas um pouco de dinheiro no bolso e a convicção de que o que eu iria testemunhar deveria ser notícia”.
Ele relata que, quando chegou, havia apenas três outros jornalistas estrangeiros no local. “Aquele grande evento na história da humanidade não rendeu nenhuma cobertura contínua”, lamenta.
O jornalista hospedou-se com uma família local, numa das partes mais pobres da capital, Kinshasa, onde frequentemente faltava água e eletricidade. Ele diz que tal experiência foi essencial para suas reportagens. “As pessoas ficavam tão surpresas quanto eu quando ocorria um estupro ou um assassinato político – principalmente se não fosse no leste, o local devastado pela guerra.”
Mas, de acordo com Sundaram, tal choque dificilmente chegava ao mundo exterior. O Congo não era considerado importante o suficiente para gerar notícia. E mesmo os estupros e assassinatos logo eram esquecidos. “O mundo via a região como um local violento, mas não valia a pena relatar isso; a não ser que a história fosse espetacular e horrível”, ressalta.
Redução a narrativas simples
Sundaram diz que o problema da reportagem atual é reduzir pessoas e lugares a narrativas simples e maniqueístas – o bem e o mal, a vítima e o assassino. Ele reitera que tais narrativas podem ser fáceis de digerir, porém nos contam apenas parte da história.
“Envolver-se nos relatos é essencial para que a notícia sirva ao seu propósito e ajude a construir qualquer sentido real do mundo. Mas o sistema de notícias não foi projetado para isso. Repórteres se deslocam como rebanhos de ovelhas, reunindo-se nos mesmos lugares ao mesmo tempo para nos contar, mais ou menos, as mesmas histórias.”
Ele diz, por exemplo, que antigamente os correspondentes ficavam alocados num determinado local durante anos ou meses – e que agora cada repórter lida com 20 países de uma só vez. Ele também critica o fato das redações estarem em cidades polo, muitas vezes longe dos locais onde os eventos acontecem. E faz questão de ressaltar que o problema não é financeiro.
Embora organizações de notícias aleguem que a reportagem imersiva seja proibitivamente cara, o problema geralmente se deve à distribuição inadequada da verba, muitas vezes direcionada a hospedagens caras. “Mesmo quando eu estava lutando para justificar os custos de uma nova rodada de reportagens no Congo, vi equipes de correspondentes em hotéis com diárias de US$300, gastando em uma noite o que eu gastaria em dois meses”, conta.
Sudaram alerta que as agências de notícias precisam trabalhar mais afinadamente com os jornalistas freelancers. “Grandes reportagens muitas vezes são perdidas. Trechos imensos do mundo estão esquecidos ou envoltos em mitos. A notícia tanto cria tais mitos quanto os dissipa, e tudo isso em meio à mera pretensão de nos fornecer a verdade”, conclui.