Thursday, 07 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Como a imprensa pode proteger seus freelancers

“Estou aqui há mais de uma semana e ninguém quer ser freelancer por causa dos sequestros. Está bem ruim aqui. Tenho dormido no front, passado as últimas noites me escondendo de tanques de guerra, e estou bebendo água da chuva.”

O trecho acima faz parte de um e-mail enviado a um colega por Steven Sotloff, um dos jornalistas americanos decapitados pelo grupo extremista islâmico ISIS, dias antes de seu sequestro, e serve de amostra da situação dos freelancers que se colocam em situações arriscadas em busca de uma reportagem.

De acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, 70 jornalistas foram mortos durante o exercício da profissão em 2013. Estima-se que 70 deles tenham sido mortos nos últimos anos quando cobriam os conflitos na Síria, ao passo que outros 20 continuam desaparecidos no país.

Em artigo para a revista New Republic, o jornalista americano Tom A. Peter – que possui grande experiência em cobertura de conflitos no Oriente Médio – criticou abertamente as condições a que os jornalistas freelancers têm sido expostos nos últimos anos.

Peter diz que, tal como ele, muitos destes profissionais se colocam em situações de risco para vender matérias por valores irrisórios, e muitas vezes os jornalistas pagam os custos de permanência no país estrangeiro do próprio bolso.

Ele culpa o modelo de negócios atual, que estimula o jornalismo independente por meio da exploração de freelancers que se mostram dispostos a arriscar a própria vida. “Não importa quanto tempo você trabalhou em determinado jornal; quase sempre há alguém mais jovem e mais ansioso, que pode não ser tão experiente, mas que é capaz de fazer um trabalho bom o suficiente e por menos dinheiro”, resume.

Para jornalistas da velha guarda, antigamente era possível ter os custos cobertos pelos contratantes. Hoje, isto é quase inimaginável.

Pouca atenção aos conflitos

Peter citou especificamente os casos de Steven Sotloff e de James Foley, decapitado nas mesmas condições do colega. Ambos eram freelancers e pouco conhecidos. Sotloff começava a publicar artigos regularmente na revista Time. Foley passou tanto tempo em cativeiro na Líbia e na Síria – foram mais de 600 dias – quanto esteve trabalhando nas respectivas regiões.

Ironicamente, a imprensa em geral parece ignorar o risco que tais profissionais correm, dedicando pouquíssimo tempo ao resultado do trabalho árduo. De acordo com Andrew Tyndall, do Tyndall Report, site que monitora os telejornais das principais emissoras dos EUA, os noticiários noturnos da ABC, CBS e NBC exibiram ao longo de 2014 cerca de três minutos de cobertura sobre a guerra civil no Sudão e nove minutos sobre as atrocidades em massa na República Centro-Africana. Em contraste, o desaparecimento do avião da Malaysia Airlines rendeu 304 minutos no ar (quase cinco vezes mais do que a guerra civil na Síria).

Em artigo para o New York Times, o jornalista americano Nicholas Kristof chama atenção para outro problema: jornalistas viraram armas de guerra e muitas vezes são utilizados em chantagens ou na exigência de resgates. Tais resgates acabam por enriquecer grupos terroristas e criam um incentivo para o rapto de outros estrangeiros (diferentemente dos EUA, as nações europeias têm como hábito pagar a sequestradores). Uma investigação do Times descobriu que a Al Qaeda e seus afiliados diretos levantaram pelo menos US$ 125 milhões com sequestros desde 2008.

Mesmo trabalho, sem benefícios

Peter diz que, para a maioria dos repórteres, a mídia tem se reestruturado de tal forma que agora resta apenas um punhado de cargos de correspondente estrangeiro com benefícios e estabilidade financeira. Isto acaba causando reflexos no mercado.

De acordo com uma pesquisa da revista digital American Journalism Review realizada entre dez grandes jornais e uma cadeia de veículos, entre 2003 e 2011 o número de correspondentes estrangeiros caiu de 307 para 234. Mas em 2011 este número teria sido muito menor caso a AJR não tivesse incluído os repórteres que trabalham por contrato temporário – e que muitas vezes executam as mesmas funções de funcionários fixos, mas sem os mesmos benefícios ou remuneração.

A grande questão é que os freelancers são essenciais para fornecer cobertura em locais distantes, principalmente num momento em que a imprensa sofre constante retração. Por este motivo, Peter sugere que os empregadores encontrem um equilíbrio que permita a estes jornalistas independentes ganhar dinheiro sem que precisem correr riscos desnecessários, afinal a eles é confiado o trabalho mais perigoso.