Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mídia ocidental ignora crise em país dominado pela violência

Em menos de um ano, mais de cinco mil pessoas foram mortas vítimas da violência na República Centro-Africana, mas a mídia ocidental praticamente ignora o país. Recentemente, foram assassinados nas ruas da capital, Bangui, um comissário da paz paquistanês da ONU e um civil muçulmano cujo cadáver foi decapitado e incendiado por uma multidão enfurecida.

Centenas de milhares de pessoas já foram desalojadas, vilarejos inteiros foram esvaziados e a maioria da população muçulmana do país foi obrigada a fugir. Embora dois mil comissários da paz da ONU se encontrem no país, observadores locais receiam que a República possa resvalar, de uma hora para outra, numa guerra total entre seitas. E as possibilidades de uma nova escalada de violência são extremamente altas. Na época do pico da violência, em janeiro, John Ging, diretor de operações da ONU para a Coordenação de Assuntos Humanitários, alertou: “As sementes existem para um genocídio.”

Se acontecesse o pior, a mídia internacional contaria com poucos olhos para testemunhar em primeira mão. Ex-colônia francesa com poucas estradas pavimentadas, a República Centro-Africana é um lugar caro para enviar jornalistas. Reportagens sobre o país às vezes são produzidas em Paris ou Haia. E com o planeta repleto de crises explosivas, as organizações jornalísticas tendem a alocar seus recursos limitados em outros lugares. “Quando os orçamentos eram maiores, era mais fácil convencer os editores a enviarem repórteres para cobrir conflitos sem divulgação, ou obscuros. Mas isso se tornou mais difícil”, diz Peter Bouckaert, chefe da equipe de emergência da organização Human Rights Watch [Observatório de Direitos Humanos].

“Personagem americana”

A cobertura vem caindo desde o ano passado. Uma pesquisa de jornais feita pela LexisNexis [empresa que fornece buscas com assistência de computador] mostra que em setembro a frase “República Centro-Africana” foi mencionada 494 vezes, quando em fevereiro fora 1.295 vezes. O número de setembro assinala uma ligeira melhora em relação a setembro de 2013, quando o mesmo conjunto de jornais pesquisados mostrou 414 textos. As pesquisas no Google por “República Centro-Africana” caíram no mês de setembro para apenas 19% do número de vezes que a frase foi mencionada em dezembro de 2013. Isto representa menos atenção por parte da mídia do que aquela que recebem inúmeras celebridades. Para comparar com um exemplo africano, o velocista Oscar Pistorius, da África do Sul, foi mencionado em 1.343 artigos no mês de setembro, quando terminou o julgamento em que ele era acusado de matar sua namorada, Reeva Steenkamp.

O problema não é novo. As guerras na África central normalmente são mal divulgadas. Duas guerras na República Democrática do Congo mataram mais de cinco milhões de pessoas desde 1996, mais do que qualquer outra desde a II Guerra Mundial. No entanto, Ajnan Sundaram, ex-correspondente da Associated Press no país, escreveu o seguinte, este ano, numa página de opinião do New York Times: “Esse grande acontecimento na história da humanidade não produziu reportagens contínuas. Nenhum jornalista fica estabelecido de uma maneira consistente nas linhas de front da guerra relatando-nos os acontecimentos.”

Jason Straziuso, chefe da sucursal da Associated Press para a África Oriental, diz que um dos motivos para que essas guerras sejam mal divulgadas é a ausência de implicações óbvias para os leitores norte-americanos. “Numa matéria como o massacre no shopping center Westgate, no Quênia, muitos norte-americanos visitaram ou visitariam o Quênia e podem imaginar a si próprios no shopping center”, afirma. “Mas parece-me que na República Centro-Africana este conflito da selva, repleto de depravação humana, é como se fosse num mundo muito distante.”

Em outras palavras, quando se trata da África existe uma lacuna de empatia. A realidade, para boa parte da mídia de língua inglesa, é que o valor de uma notícia é que centenas, ou mesmo milhares, de pessoas estão morrendo ou podem morrer. “O que nos cabe”, diz Straziuso, “é tentar fazer com que os leitores se preocupem, trazer as fronteiras e a distância para mais perto.”

Peter Bouckaert, da Human Rights Watch, afirma que encontra a mesma resistência à cobertura. “Quando jornalistas norte-americanos me ligam e pedem ‘Diga-me alguma coisa sobre a República Centro-Africana’, logo em seguida dizem: ‘E há alguma personagem norte-americana de quem eu possa fazer o perfil? Sem isso, não consigo vender a matéria a meu editor’.”