Os cartuns com críticas a autoridades fazem parte da cultura política da Turquia. Mas a vida dos cartunistas tem ficado difícil sob o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan, que mostra-se cada vez menos tolerante a dissidências. Quem ousa criticar o presidente e seu governo acaba enfrentando processos na justiça ou perdendo o emprego. “Este ciclo repetitivo de ações legais afeta todos os cartunistas, escritores e intelectuais neste país”, afirma o cartunista Musa Kart, uma das vítimas dos esforços de Erdogan para calar quem o critica.
Kart foi processado por causa de um cartum publicado no jornal de oposição Cumhuriyet em fevereiro de 2014, acusado de insultar Erdogan, que ocupava, então, o cargo de primeiro-ministro. Em seu desenho, enquanto dois ladrões roubam dinheiro de um cofre, Erdogan aparece ao fundo, olhando para o outro lado. Um dos ladrões diz para o outro: “Não é preciso pressa. Temos um vigia holográfico”. Na ocasião, pessoas próximas ao líder turco estavam sendo investigadas por corrupção.
O cartunista foi absolvido em outubro. Kart tem um histórico de cartuns críticos ao atual presidente. Em 2004, ele já havia sido processado por Erdogan. Nos últimos anos, vinha representando o político de diversas formas – em 2011, quando Erdogan reprimiu protestos ambientais pacíficos, o cartunista o desenhou com uma língua em forma de mão espirrando gás lacrimogêneo sob o título “discurso político”. Mas o cartum sobre a investigação por corrupção parece ter passado do limite aceitável para o presidente, já que o caso – que levou à demissão de três ministros – foi considerado a mais grave ameaça a ele em mais de uma década.
Tradição ameaçada
Se condenado, Kart poderia pegar quase 10 anos de prisão. “Nós vamos continuar a trabalhar e a expressar o que pensamos pelo bem de nossas gerações futuras”, promete. Assim como ele, os cartunistas do país continuam a estampar seu trabalho em uma variedade de publicações independentes e na mídia social. Eles enxergam, no entanto, um crescente clima de opressão política, e viram o processo contra Kart, em 2014, como um alerta de que podem sofrer retaliações do governo.
Para a pesquisadora da organização de direitos da mídia PEN International, Alev Yaman, a ameaça de ações legais a cartunistas indica um aumento do “desprezo pelo direito à liberdade de expressão no país”. Segundo ela, a Turquia tem uma longa e rica tradição de sátira política. “Este caso não apenas representa um ataque à liberdade de expressão, mas também é uma traição à herança artística e democrática turca”.