Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Os ‘robôs’ que (não) estão invadindo as redações

É cada vez mais comum encontrar artigos analíticos sobre o uso de “jornalistas robôs” e seus feitos. A agência de notícias Associated Press vem publicando, há meses, relatórios sobre lucros empresariais inteiramente escritos por estes “robôs” – é assim que a imprensa parece ter decidido se referir aos programas de computador que conseguem mesclar palavras e números para formar textos informativos.

Os relatórios da AP são produzidos por uma empresa chamada Automated Insights, da Carolina do Norte, que também fornece resumos de jogos imaginários de futebol americano para o Yahoo! e descrições de automóveis automatizados para uma empresa que negocia carros. “É engraçado”, diz o CEO da Automated Insights, Robbie Allen. “Parece que todos os artigos que cobrem o que estamos fazendo têm algum tipo de ilustração de um robô, ou a mão de um robô digitando em um computador. Não imagino por quê. Presumo que as pessoas saibam que não é realmente isso que está acontecendo. Acho que eles sabem que se trata de software, certo?”.

Allen foi entrevistado por Will Oremus, redator de tecnologia da revista Slate, que levantou a questão: será que realmente sabem? “Não me surpreenderia se o fato da palavra ‘robô’ ser repetida em todas as manchetes deixasse uma porção de pessoas genuinamente confusas”, pondera o jornalista.

O departamento de relações públicas da Automated Insight publicou recentemente um vídeo parcialmente sério respondendo à pergunta: “A Automated Insight usa robôs?” A resposta foi a seguinte: “Existe algo intrinsecamente divertido na palavra ‘robô’ e mais ainda na ideia de uma personagem do tipo Jetson puxando uma cadeira numa redação e atendendo o telefonema de uma empresa com uma caneta e um caderno na mão, pronto para anotações. Muito em breve, no entanto, a novidade do jornalismo automatizado vai desaparecer. E quando isso acontecer, acredito que iremos compreender que a palavra ‘robô’ foi erradamente utilizada desde o início.”

Will Oremus avalia:

“Determinar o que é e o que não é um robô é complicado devido à ausência de uma definição científica amplamente aceita. Deriva da palavra tcheca robota, que significa trabalho e foi popularizada por Karel Capek na peça de ficção científica R.U.R., na qual os humanos fabricavam ciborgues para lhes servirem de escravos. (Como não podia deixar de ser, os roboti se revoltavam e exterminavam a raça humana.)

“Atualmente, o Oxford English Dictionary define ‘robô’ como ‘uma máquina capaz de empreender uma série de ações complexas automaticamente, principalmente se for programável por um computador’. À primeira vista, esta definição pareceria suficientemente ampla para incluir o software de jornalismo – aliás, qualquer outro tipo de software. Isso, no entanto, até você ver, mais adiante, como o dicionário define máquina: ‘um aparelho que usa ou aplica energia mecânica’. Para um humano, escrever uma matéria pode, eventualmente, implicar a aplicação de alguma energia mecânica, mas não para o software da Automated Insight.”

Software

O jornalista questionou Robbie Allen sobre como então deveria ser chamado o “jornalista robô”. “Digamos que você é um editor e vê a manchete ‘Jornalistas-robôs estão escrevendo matérias na Associated Press’, disse eu. ‘O que você escreveria no lugar de ‘jornalistas-robôs’?’”. Allen substituiria o termo por “Plataforma Wordsmith da Automated Insight” ou “Plataforma que cria uma linguagem natural chamada Wordsmith.” Oremus pressionou por um termo mais curto e, depois de alguma discussão, os dois concordaram em “software”.

Allen diz não saber ao certo como começou a história do “jornalista-robô”, mas tem algumas teorias sobre por que pegou. “Todo mundo precisa de algum tipo de imagem em sua matéria. Quando pensam sobre o tipo de imagem que representaria esta tecnologia, acho que um robô fazendo o que um humano costumava fazer é a coisa mais próxima que você iria encontrar.”

Todo o alvoroço sobre “robôs roubando nossos empregos”, diz Oremus, levou as pessoas a acharem que, se alguma nova tecnologia desenvolve uma tarefa tradicionalmente desempenhada por humanos, então deve ser um robô. Para ele, no entanto, o termo pode prejudicar a compreensão de “automação”.

“O tipo de automação que está revolucionando a economia tem a ver com software, e não com hardware”, explica. “Se o software do jornalismo fosse um robô, também o seriam o canal de notícias do Facebook, o algoritmo de recomendação do Netflix e a Pandora. Então, por que os redatores das manchetes não se referem a eles como robôs?”, questiona.

Ainda não se sabe se o software usado para compor textos jornalísticos pode vir a ameaçar os empregos dos jornalistas. A Associated Press afirma que, até o momento, não fez qualquer substituição em sua equipe editorial pelo software da Automated Insight. Apenas alterou suas funções para se centrarem mais no tipo de trabalho jornalístico criativo que um software (ainda) não pode desempenhar.