O júri do concurso de fotojornalismo World Press Photo revogou o prêmio de um fotógrafo italiano ao concluir que ele teria encenado o ambiente de uma fotografia. Giovanni Troilo venceu na categoria de Temas Contemporâneos por uma série de 10 fotos intitulada “O coração escuro da Europa”, sobre a cidade de Charleroi, na Bélgica. Uma das imagens mostrava um casal fazendo sexo dentro de um carro estacionado. O homem no carro é primo do fotógrafo, que teria colocado um flash disparado por controle remoto dentro do veículo para poder iluminar a cena. Críticos afirmam que, ao inserir o flash no carro, Troilo manipulou a fotografia, o que viola as regras do concurso de fotojornalismo.
“O World Press Photo deve ser baseado na confiança nos fotógrafos que inscrevem seus trabalhos e em sua ética profissional”, afirmou o diretor do concurso, Lars Boering. “Temos aqui um caso claro de informação enganosa e isso muda a maneira como a história é entendida”.
A decisão de revogar o prêmio de Troilo foi tomada após a organização de um importante festival de fotojornalismo francês anunciar que não exibiria as fotos vencedoras do World Press Photo este ano em protesto à aprovação de “imagens encenadas”.
Inicialmente, os jurados do concurso, com sede em Amsterdã, haviam classificado o trabalho do fotógrafo italiano como fotografia documental ou retrato. Em ambos os casos o uso de flash é aceitável.
Os organizadores do World Press Photo, no entanto, receberam uma carta do prefeito de Charleroi afirmando que as fotos de Troilo apresentavam a cidade de uma forma negativa e que muitas delas haviam sido encenadas, entre elas a imagem de uma mulher em um hospício e a do casal no carro.
Troilo afirmou ter ficado muito triste com a decisão do concurso e disse que a controvérsia teve início quando os organizadores do World Press Photo reescreveram as legendas originais das imagens. A legenda da fotografia do carro dizia: “Os locais conhecem estacionamentos populares para relações sexuais”.
O fotógrafo diz que deixou claro em sua inscrição no concurso que havia seguido seu primo em uma noite em que o primo pretendia ter relações sexuais – e que ele tinha o consentimento do primo para segui-lo e fotografá-lo. “Esta não é uma foto roubada de um casal pego de surpresa”, afirma. Seu objetivo com o trabalho era “mostrar o voyeurismo através do voyeurismo”. Troilo afirma que não quer se tornar um bode expiatório para um debate mais amplo sobre os padrões do World Press Photo.
Crise de identidade
Diante das facilidades das técnicas para se modificar fotografias, o escrutínio sobre os concorrentes do prestigiado concurso tem aumentado nos últimos anos. Este ano, o júri desqualificou 20% das imagens que chegaram à rodada final porque elas haviam sido manipuladas digitalmente, o que viola as regras e a integridade do fotojornalismo. “Todo ano há um debate [sobre isso]; este ano eu acho que tivemos realmente muitos problemas. Havia uma enorme quantidade de manipulação na penúltima fase. O júri ficou chocado”, afirmou Boering.
No caso específico de Troilo, muitos fotojornalistas acreditam que ele passou dos limites do que é aceitável no fotojornalismo. “O World Press Photo tem ‘imprensa’ [press] no título; não diz World Art Photo”, alfinetou a fotógrafa de Nova York Yunghi Kim. “Eu não culpo o fotógrafo; parece apenas que o World Press Photo está passando por uma crise de identidade”.
As regras do concurso estabelecem que “encenar é definido como algo que não teria acontecido sem o envolvimento do fotógrafo”. “Se [a organização] age de acordo com o que diz, que você não pode encenar eventos no fotojornalismo, então estas imagens deveriam ser desqualificadas”, opinou o premiado fotógrafo sul-africano Greg Marinovich, que já participou por duas vezes do júri do concurso.
Boering diz que a controvérsia sobre as fotos de Troilo representa uma chance de aumentar a transparência do processo de seleção e votação. “Eu quero que haja um verdadeiro debate. As mudanças no fotojornalismo e na fotografia documental são velozes e difíceis de acompanhar”.
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