O encolhimento do orçamento e das redações tem uma vítima certa: veículos de mídia não podem mais se dedicar tanto às longas e trabalhosas reportagens investigativas. Buscando uma solução para não comprometer a qualidade jornalística, empresas de comunicação rivais começaram, nos EUA, a articular colaborações – como apurações em conjunto ou acordos de compartilhamento de conteúdo e recursos. Aos poucos, também foram entrando na arrumação sites sem fins lucrativos como o Voice of San Diego e o St. Louis Beacon. Mas a estratégia de juntar esforços apresenta desafios – entre eles, o de não comprometer a qualidade e a credibilidade jornalística.
O assunto foi debatido em uma mesa redonda, na semana passada, organizada pelo Investigative Reporting Program (IRP) da Escola de Jornalismo da Universidade da California em Berkeley e patrocinada pela Knight Foundation. Representantes de veículos sem fins lucrativos se reuniram com especialistas em mídia para discutir temas como colaboração, financiamento, e como melhorar a dinâmica de trabalho entre quem não tem dinheiro e quem tem.
Alguns pontos abordados:
** “Nós sabemos com uma precisão desanimadora o quanto perdemos com jornalismo responsável. Coisas que levam seis meses para ser produzidas não dão dinheiro”, resumiu Steven Waldman, autor de um relatório recente para a Comissão Federal de Comunicações, intitulado “As necessidades de informação da comunidade”. Waldman notou que muitas organizações de notícias estão abertas a parcerias com organizações sem fins lucrativos porque tiveram que abandonar parte de seu jornalismo investigativo de longa duração, mas não querem perdê-lo completamente. Assim, diz ele, enquanto as empresas jornalísticas têm uma marca e grandes redes de distribuição, não têm conteúdo. Organizações sem fins lucrativos, por outro lado, produzem conteúdo, mas lhes falta uma marca e meios de distribuição da informação.
** “Nós vemos colaboração como moeda”, afirmou Kevin Davies, CEO da Investigative News Network, rede que trabalha com 60 organizações parceiras para redigir planos de negócios, produzir projetos de financiamento e negociar colaborações. Para ele, é importante que as organizações sem fins lucrativos tenham um plano de negócios e que haja uma mudança no modelo de jornalismo atual. “Jornalistas costumam escrever sobre questões que os interessam. Isso é muito diferente de levar as necessidades do mercado em conta. Nós temos que sair do experimental para nos tornar um negócio de verdade”, defendeu.
Jo Ellen Green Kaiser, do Media Consortium, vê a questão de maneira diferente. “Interessante Kevin ter dito que pensa na colaboração como uma moeda com o benefício de impactar, porque nós pensamos o contrário. Pensamos nela como um impacto que poderia trazer benefícios financeiros”, rebateu. “Nós queremos pessoas que se tornem atores engajados”, continuou ela. “Preferimos ter uma pessoa que age do que 10 mil que apenas leram a história. É uma maneira diferente de pensar sobre o que estamos fazendo e como nos relacionamos com o público”.
** Mary Walter-Brown, do site sem fins lucrativos Voice of San Diego, falou sobre sua parceria com uma afiliada local da rede de TV NBC. “Você tem que saber o que quer de uma colaboração antes de entrar nela. Quando nossa relação se desenvolveu, foi algo orgânico – eles começaram a nos mostrar como especialistas, e nós falávamos sobre uma história que havíamos coberto. Então para nós foi realmente sobre conscientização, sobre mostrar nosso nome”.
“Você tem que decidir financeiramente e em termos práticos, o que você quer desta relação? Eu não lido com organizações que não colocam as coisas no papel”, completou Lisa Frazier, CEO do site Bay Citizen, também sem fins lucrativos.
** Saber o que quer e saber negociar parecem ser os dois principais requisitos na hora de tentar estabelecer parcerias. Christa Scharfenberg, do Center for Investigative Reporting, disse que sua organização está tentando diversificar seu modelo de negócios, dependendo menos de doações. Ela contou que um consultor avaliou seu plano de negócios e disse algo que não saiu mais de sua cabeça: “Ele usou uma metáfora interessante de uma vitamina contra um analgésico. Hoje, você está oferecendo às empresas de notícias uma vitamina. Eles podem gostar, mas podem viver sem ela. Você precisa dar a eles um analgésico. Isso ajuda ambas as organizações, e é uma estratégia de longo prazo”.
O Center for Investigative Reporting trabalha com parceiros comerciais como os jornais San Francisco Chronicle, L.A. Times e Washington Post. A organização tem ainda a California Watch Media Network, onde veículos de mídia pagam uma taxa anual baseada em sua circulação e, em troca, ganham conteúdo. “Eu acho que a principal razão para os veículos comerciais nos acharem atraentes é que estamos preenchendo uma necessidade real: conteúdo investigativo”, resumiu.
** Mary Walter-Brown, do Voice of San Diego, ressaltou a importância de se comunicar com os leitores sobre como a organização pode funcionar melhor. “Todo mundo ama o que estamos fazendo, e nos valoriza, mas eles não têm consciência do que precisamos deles. Eles não sabiam que tinham um papel em nos ajudar com a nossa missão”, afirmou.
** “Uma das razões pelas quais eu foco no modelo de pequenas doações é que ele não afeta a qualidade da apuração que fazemos”, defendeu Michael Stoll, do SF Public Press. “Sentimos que estamos mais focados nas necessidades das pessoas em geral do que nas necessidades do 1/10 do 1% que financia estas organizações sem fins lucrativos. Se você tem uma mensagem forte e uma marca realmente forte, você pode vender qualquer coisa a qualquer um.”
Informações de Hadley Robinson [Mediashift – PBS, 2/12/11].