Saturday, 28 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A Casa Branca e a mídia, ontem e hoje

Em artigo para The New York Times [12/6/05], Frank Rich lamenta a fraca cobertura que se fez da recente revelação de que Mark Felt é o Garganta Profunda do caso Watergate. O colunista relaciona isso com o fato de que o atual governo americano ataca a liberdade de imprensa e informação com mais contundência que a corrupta gestão Nixon. Para ele, a Casa Branca faz o que quer e conta com a cumplicidade da mídia.

‘O direito fundamental dos americanos de penetrar e criticar o funcionamento de nosso governo está sendo atacado de forma sem precedente’, escreveu recentemente o ex-redator de discursos de Richard Nixon, William Safire. Não por acaso, a confirmação de que Felt é o Garganta Profunda se traduziu em discussões e críticas sobre o que ele fez, em vez de trazer de novo à tona o que foi o caso Watergate. Pesquisas demonstram que a maioria da população dos EUA não faz idéia do que foi aquele episódio. Rich cita a Vanity Fair como exceção. A publicação se deu ao trabalho de relembrar que o escândalo levou ao desbaratamento de uma rede criminosa e que mais de 30 funcionários de governo e de campanha do presidente foram condenados pela justiça.

Imprensa condescendente

Quisera Nixon dispor naquela época de uma imprensa tão condescendente quanto a atual. Seu assessor especial Charles Colson bem que se esforçou para conter os meios de comunicação. Ameaçou os grandes veículos com processos antitruste caso não divulgassem matérias a favor do presidente, preparou uma lista de jornalistas inimigos do governo. Agora ele apareceu em diversos programas de TV condenando Felt por haver ‘desonrado a confiança do presidente’. Nenhum dos apresentadores que o entrevistaram fizeram referência aos crimes por ele praticados quando servia a Casa Branca.

Rich destaca que se alguém remexesse o passado de Colson, automaticamente se evidenciaria uma linha genealógica de falcatruas que conecta os governos Nixon e Bush. Um exemplo recente de como eles se parecem é o caso da Newsweek, que foi forçada a se retratar após denunciar que soldados americanos haviam desrespeitado o Corão na base de Guantánamo. A publicação foi acusada de ter culpa nas 17 mortes provocadas pela manifestações anti-americanas que a matéria desencadeou no mundo islâmico. Duas semanas depois da polêmica, o Pentágono divulgou uma nota às 19h15 de uma sexta-feira, antes de um feriado, confirmando que ocorreram atitudes desrespeitosas com o livro sagrado muçulmano. Tudo pensado para que os telejornais não tivessem tempo de noticiar a novidade no mesmo dia e para que os jornais tivessem que dá-la num dia em que a circulação é mais baixa.

Nixon aspirava retaliar a TV pública cortando seu financiamento. Não imaginava que três décadas depois a Casa Branca simplesmente imporia novos executivos de direção da Coporation for Public Broadcasting. Tampouco tivera a idéia brilhante de pagar jornalistas para falar bem de programas do governo, como o faz Bush.

A ligação entre os governos Bush e Nixon, no que se refere ao esforço para suprimir a liberdade de imprensa, não se discute na TV. Hoje, o caso Watergate é usado apenas como exemplo de estímulo ao jornalismo de denúncia. Para Rich, isso é um absurdo: se fosse mesmo assim, porque ainda não se denunciou a maior história dos dias atuais, a de como a invasão do Iraque foi vendida à população americana com base em alegações falsas?