Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A chuva de informações

O ambiente midiático está cada vez mais polarizado e os leitores, cada vez mais alienados. Nós, jornalistas ou estudantes da área, sabemos que o discurso de todo veículo é condicionado por sua linha editorial. Mas nem todos os leitores conseguem distinguir os interesses que determinam o viés da cobertura e a posição opinativa de cada fonte, de cada post e de cada publicação. Muito menos analisar as implicações disso na formação da opinião pública, a começar pela sua própria opinião. E esta, no mundo tribalizado da internet, bombardeado e massacrado numa torrente de informação, muitas vezes toma forma e se propaga ora como virose, ora como enxurrada.

A guerra da comunicação

Após as manifestações do dia 13 de março e a evolução surpreendente dos acontecimentos políticos recentes, essa polarização se intensificou e muitas redações adotaram um tom mais agressivo em suas notas, comentários, reportagens e editoriais, abusando de meias verdades e opiniões nem sempre isentas de interesse sobre o tema.

Criou-se um cenário no qual redações sérias que apuram as informações e possuem uma linha editorial definida — e aqui não faço distinção entre pequena e grande imprensa, de direita ou esquerda, veículos independentes ou não — estão sendo acusadas de serem parciais, muitas vezes por veículos de comunicação ainda mais parciais que estes, e que mesmo assim pregam o idealismo da imparcialidade. Veículos que deveriam buscar os muitos lados da história acabam confundindo os leitores ao mostrar apenas um lado. Nunca coube tão bem o ditado: faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.

Navegando pelas redes sociais, a constatação fica ainda mais nítida. Basta um giro rápido pela editoria de política de cada veículo para saber “quem fecha com quem”. Basta uma leitura mais atenta das reportagens para verificar que, quase sempre, apenas um mesmo discurso é referido, é consultado. Geralmente, um cientista político ou outro especialista alinhado a este ou aquele partido, ou mesmo políticos e eleitores/leitores sempre dispostos a opinar com base em informações supostamente isentas e oriundas do noticiário do próprio veículo.

Para estudantes de jornalismo como eu, talvez fique um pouco mais fácil identificar essa polarização e separar o “joio do trigo”, informação falsa de verdadeira, opinião de análise. Mas imagine para os leigos, que costumam consultar uns poucos veículos ou publicações, e com eles formam sua opinião e seu senso crítico. Pois quem lê a revista Fórum, por exemplo, provavelmente não assina a Veja, e vice-versa. Parcialmente informado, esse leitor está alienado, pois não enxerga a realidade como ela é de fato: plural.

Dificilmente o leitor saberá distinguir fatos de afirmações, dados de informação, exame crítico de opinião partidária. O resultado é muita suposição, muita indução, para um jornalismo que deveria ter, entre suas principais diretrizes, a apuração de múltiplos lados e a checagem das informações antes de publicá-las.

Essa polarização gerou um cenário no qual alguns jornais prestam um desserviço para seus leitores e para a população, uma vez que utilizam qualquer informação para difamar e às vezes até caluniar o “adversário”, a qualquer custo. Basta um olhar mais atento para verificar o quanto aumentaram os erros de informação em notícias e reportagens, em diversos veículos, enquanto as erratas tornaram-se quase tão discretas quanto normais.

O reflexo na população

Para ajudar a piorar a situação, incontáveis blogs republicam essas meias verdades, ou verdade nenhuma, como se fossem verdades absolutas. E muitos leitores compartilham essa informação em suas timelines e estufam o peito para defender e discutir verdades que serão desmentidas amanhã. Contudo, esse mesmo leitor provavelmente não lerá a errata e muito menos mudará sua convicção depois de constatado o erro.

O resultado é uma guerra cega travada entre eleitores/leitores e diversas cenas de incitação ao ódio em comentários de notícias, nas redes sociais e nas ruas. O fato de a Unesco ter advertido em relação à hostilidade recente contra jornalistas no Brasil vale como um alerta. Todos são contra a corrupção, mas atacam uns aos outros como se a prática fosse exclusiva de um dos lados. Todos discutem política, mas quase ninguém quer nem busca ouvir posições distintas. Diante disso, nunca foi tão importante uma imprensa e um jornalismo que se fizessem dignos de seu papel.

O professor e jornalista Eugênio Bucci pontua essa questão quando escreve, recentemente, que “o papel do jornalista é ouvir, com atenção absoluta, e então separar o que é rancor e ódio do que é de genuíno interesse público. Esse julgamento — que não é simples de fazer, e que o Judiciário é incompetente para fazer, em todos os sentidos — é o julgamento que só a imprensa pode fazer” (Estadão, Aliás, 5/3/16).

Leve seu guarda-chuva

Sem o julgamento criterioso do jornalismo, o que resta é uma “chuva de informações” gerada por veículos de comunicação de todos os portes, além de blogs e leitores que jorram suas opiniões publicamente, mantendo-as eternamente disponíveis nas redes sociais e ferramentas de busca. Essa chuva precisa ser filtrada e canalizada para garantir uma boa compreensão, uma boa comunicação, função realizada por veículos e jornalistas que se prezem.

O problema é que nem sempre veículos e jornalistas fazem isso. Muitas vezes eles apenas contribuem para fazer chover. As consequências são visíveis na formação de “militantes da alienação”, sempre prontos para atacar, verbal e até fisicamente, o lado adversário. Como cravou a campanha da Associação Nacional de Jornais (ANJ), no final de 2015, “nunca se leu tanto jornal”. É uma pena que também nunca se leu tanta besteira.

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Vitor Haddad do Prado é estudante de jornalismo e editor da Editora Casa da Árvore