Claude Angeli, 79 anos, editor-executivo do semanário satírico francês Le Canard Enchaîné, escreve à mão. Adepto da calça jeans, Angeli trabalha no jornal há 40 anos. É autor de alguns de seus mais importantes furos e de meia dúzia de livros. Quando assumiu o controle do Canard Enchaîné há 20 anos, o semanário tinha basicamente a mesma cara que tem hoje (oito páginas, muitos cartuns). Na mesa do editor, não há computador, iPhone, Blackberry, iPad ou qualquer apetrecho do tipo. Está lá, por sua vez, um bloco – de papel mesmo.
Angeli acredita que não se deve mexer em time que está ganhando. O Canard Enchaîné tem um site. Mas há pouco nele além de imagens de páginas antigas e a sugestão de que o leitor compre o jornal – de papel mesmo – nas bancas às quartas-feiras. ‘Se colocássemos nossas matérias na internet, quem compraria o jornal na quarta-feira?’, questiona-se.
Sarkozy e Carla Bruni
Os grandes jornais franceses têm visto sua circulação cair – aconteceu com o Libération, de esquerda, e com o Le Figaro, de direita. O Canard Enchaîné, por sua vez, com uma mistura de reportagem investigativa, artigos de opinião zombeteiros, colunas fictícias e nenhuma publicidade, teve aumento de 32% na circulação depois que o presidente Nicolas Sarkozy assumiu o poder, em 2007 – e foi apelidado pelo jornal de ‘Sarkoléon’.
A razão para o aumento de leitores? ‘Não sei’, diz Angeli. Ele acredita que o número de funcionários do governo que não gostam do presidente é grande e, por isso, há mais vazamentos que o normal. O fato de Sarkozy ser casado com uma ex-modelo e cantora também ajuda nas sátiras. O jornal publica um diário fictício chamado de ‘Le Journal de Carla B’, em que a primeira-dama Carla Bruni se refere ao marido como ‘Chouchou’. Quando houve o derramamento de petróleo no Golfo do México, a falsa Carla apareceu na coluna reclamando que o incidente atrapalharia suas férias com ‘Chouchou’. ‘Faça alguma coisa, Obama!’, pedia ela.
Escutas clandestinas
Angeli não pensava em ser jornalista. Com pai professor de educação física, ele passou a juventude jogando vôlei. Depois, juntou-se ao Partido Comunista. Logo ficou desiludido e acabou arrumando um emprego no Le Nouvel Observateur. ‘Eu aprendi sendo editado. Eu escrevia, e eles reescreviam. É um bom modo de aprender’, lembra.
Em seu escritório, há um buraco na parede que o editor gosta de exibir: ali, agentes da inteligência francesa tentaram, em 1973, instalar escutas clandestinas, depois que ele deu um de seus maiores furos. Angeli havia publicado a declaração de imposto de renda do então primeiro-ministro, Jacques Chaban-Delmas, que mostrava que ele quase não havia pagado impostos. Os agentes, disfarçados de operários, foram flagrados por um repórter.
Denúncias
A equipe do Canard Enchaîné conta com 16 jornalistas – menos da metade escreve em computadores. E Angeli comemora o trabalho que fazem. Recentemente, ele contabilizou os triunfos. Houve matérias sobre um funcionário público que mentiu sobre o tamanho de sua casa para driblar leis de zoneamento e sobre outro que pagou com dinheiro público o equivalente a mais de 16 mil dólares em charutos. Houve também o caso de Michèle Alliot-Marie, ministra das Relações Exteriores forçada a renunciar depois que o jornal revelou que ela havia passado as férias de fim de ano na Tunísia voando em um avião pessoal de um empresário amigo do então ditador Zine el-Abidine Ben Ali – derrubado em janeiro.
Também foi o Canard Enchaîné que revelou, no fim do ano passado, que Sarkozy teria envolvimento direto na espionagem de jornalistas. O presidente negou a acusação, classificando-a de ‘grotesca’, e dois funcionários envolvidos na história ameaçaram processar o jornal – mas até agora não o fizeram. ‘Tem sido um ano interessante’, reflete Angeli. Informações de Suzanne Daley [The New York Times, 25/3/11].