Conta José Américo de Almeida, em seu romance A bagaceira, que Dagoberto Marçau, chegando até a janela, encontrara uma forma de fugir de casa sem usar as portas, pois olhar por ela move uma grande curiosidade. A janela de um periódico que move a grande curiosidade do leitor é, sem dúvida alguma, a capa. Se a imagem que se pode ver e faz ‘fugir de casa’ fala mais do que mil palavras, uma capa de revista bem ‘encontrada’ diz mais que mil páginas.
Capas de revistas fazem presidentes e também derrubam presidentes. Nesse último caso, vale citar as capas da Newsweek (1973) – ‘The Nixon Tapes’ – mostrando que a Casa Branca foi transformada num gravador, em alusão às fitas que incriminaram o presidente Richard Nixon no escândalo de Watergate e o levaram à renúncia; a outra é da brasileira Veja, de 23 de maio de 1992, que apresenta somente a fotografia do irmão do presidente Fernando Collor de Mello, com a legenda ‘Pedro Collor conta tudo’ – isto é, que Paulo César Farias era somente testa-de-ferro do presidente. Dela partiu todo o movimento que também resultou na renúncia de Fernando Collor, em 29 de dezembro do mesmo ano.
A graça das capas é um tributo à arte de quem deve fechar a cada semana o mundo dentro de um ícone. Daí o pânico que invade os diretores das revistas a cada sete dias, temendo que possam ter escolhido a capa errada. Quando o fazem estão munidos da coragem típica dos fortes e dos inocentes.
A capa de uma revista é a mensagem maior do jornalismo impresso, lançada aos olhos do consumidor, obrigando-o a fazer o que mais detesta: pensar. A Associação dos Editores dos Estados Unidos escolheu as 40 melhores do país dos últimos 40 anos. Vamos às 10 primeiras colocadas por ordem cronológica:
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1966 – Esquire – Guerra do Vietnã. A capa é toda em cor preta, e em letras brancas se lê: ‘Oh my god, we hit a little girl’ (Oh meu Deus, acertamos uma garotinha), frase tirada do relato de um soldado estadunidense sobre os horrores da Guerra do Vietnã.**
1968 – Esquire – O martírio de Mohamed Ali, o pugilista transformado em São Sebastião supliciado pelas flechas, pois tinha se recusado a prestar serviço militar e ir para o Vietnã, atitude que lhe custou o título mundial.**
1969 – Esquire – Andy Warhol e a sopa. Warhol se afoga numa gigantesca lata de sopa de tomates Campbell’s, imagem simbolizando o declínio da vanguarda estadunidense.**
1969 – Life – O desembarque na Lua, número especial dedicado ao assunto: ‘Até a Lua ida e volta’.**
1970 – New York – Radical chic, Tom Wolf conta tudo sobre uma nova figura social: a radical chic, que aparece com finíssima roupa de gala, e as mãos fechadas em punho, vestindo as luvas do ‘Panteras Negras’.**
1971 – Playboy – A playmate negra: a revista pela primeira vez coloca na capa uma ‘coelhinha’ negra.**
1973 – Newsweek – sobre Watergate.**
1973 – National Lampoon – A chantagem de Lampoon, publicação satírica, à beira da falência conclama os leitores a comprar a revista, apresentando a foto de um cachorro com um revolver apontado para a cabeça: se não comprarem ele morrerá.**
1981 – Rolling Stone – John Lennon nu abraça Yoko Ono toda vestida de preto. A foto foi tirada no dia anterior ao seu assassinato.**
2001 – Time – Ataque ao WTC. Imagem-símbolo dos atentados de 11 de setembro: as Torres Gêmeas em chamas logo depois de atingidas pelos aviões.A de John Lennon e Yoko Ono e a de Mohamed Ali foram consideradas as melhores. O jornalista Vittorio Zucconi [‘Os ícones de nosso tempo’, la Repubblica, 19/10/05] faz comentário definitivo: ‘Minha esperança é que daqui a 40 anos os futuros colegas possam, ao consultar nossas capas, dizer de nós aquilo que estamos dizendo dos que nos antecederam: tiveram coragem!’