Com desemprego em alta, inflação disparada e renda em queda, a crise bate cada fez mais duramente nos trabalhadores. A piora do cenário ficou mais ostensiva com a concentração de más notícias no começo de julho. “Massa salarial cai 10% no país em seis meses”, informou no dia 3, sexta-feira, o Valor. No mesmo dia o Estado de S. Paulo abriu o caderno de Economia com a proposta da Mercedes-Benz aos funcionários: corte de 20% na jornada e de 10% nos salários. Ainda na sexta a maior parte dos grandes jornais noticiou na primeira página a mudança do calendário do abono salarial.
Durante anos o abono de um salário mínimo foi pago no segundo semestre, de julho a outubro ou a novembro. Quem ganha até dois mínimos por mês tem direito ao benefício. No dia 2, quinta-feira, o Conselho Deliberativo do FAT, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, aprovou a transferência de parte do pagamento para o próximo ano, até junho. Com isso o governo evitará o desembolso de cerca de R$ 9 bilhões em 2015 e tornará um pouco mais fácil – muito pouco, de fato – o alcance da meta fiscal definida para 2015.
No sábado o Globo foi um pouco adiante, registrando a declaração do líder do PSDB na Câmara, deputado Carlos Sampaio, sobre a disposição de recorrer ao Supremo Tribunal Federal contra a alteração do cronograma.
Pode-se discutir se a manobra é legal ou ilegal, mas em termos financeiros um dado é claro: ao adiar parte do pagamento, o governo dá mais uma pedalada e com isso atinge severamente milhões de trabalhadores de condição modesta. Com a inflação em ritmo próximo de 9% ao ano, fechamento de vagas e aperto na política salarial das empresas, qualquer reforço do orçamento familiar se torna muito importante.
Na terça-feira o Senado havia aprovado projeto de aumento salarial de até 78% para os servidores do Judiciário, para ser pago até 2017. Na media, foi fixado um acréscimo de 59,5%. A presidente Dilma Rousseff classificou o benefício como “insustentável”.
Novo tira-teima
Segundo o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, a medida provocará gastos adicionais de R4 25 bilhões até 2018. Como alteração deve valer a partir do segundo semestre deste ano, a despesa a mais em 2015 chegará a R$ 1,5 bilhão, segundo os cálculos divulgados pela imprensa. De acordo com o noticiário, a presidente estaria disposta a vetar a mudança e, portanto, a enfrentar mais um tira-teima com o Congresso.
Os novos números da indústria, divulgados na semana por entidade do setor e pelo IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, adicionaram novos ingredientes ao conjunto de más notícias sobre o emprego e a renda dos trabalhadores.
Em maio, o número de horas de trabalho na produção foi 0,5% menor que em abril e 10,2% inferior ao de um ano antes, de acordo com levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O nível de emprego na indústria de transformação caiu 0,9% de abril pata maio e, mantida a tendência, baixará 4,1% no ano, de acordo com os técnicos da entidade. Esses números foram bem explorados pelo Valor.
Somados todos esses dados, qualquer jornal poderia ter produzido, até o fim da semana, um substancioso mexidão sobre o impacto da crise no mercado de trabalho, na qualidade do emprego e na renda dos trabalhadores (incluindo-se na história, é claro, a mudança no cronograma de pagamento do abono salarial).
Seria mais uma ocasião para os jornais mostrarem a sua capacidade de oferecer algo mais que o rádio, a TV e as agências de noticiário on-line. Mais uma vez, no entanto, a oportunidade foi desperdiçada e o trabalho de juntar as peças e compor o quadro ficou para o leitor.