Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A guerra de propaganda do governo russo

Presidente Putin: controle sobre a internet (Foto: Maxim Shipenkov/Reuters)

Presidente Putin: controle sobre a internet (Foto: Maxim Shipenkov / Reuters)

Imagine um departamento de telemarketing onde todos os funcionários são contratados para atuar na internet em favor de determinada figura pública. O que soa como uma teoria da conspiração sobre votações que consagram campeões em reality shows é, na verdade, uma realidade muito mais assustadora.

Em entrevista à Radio Free Europe / Radio Liberty, o blogueiro russo Marat Burkhard revelou um esquema do Kremlin que emprega centenas de agentes online com o único objetivo de encher a internet de propaganda destinada a difundir a política do presidente russo, Vladimir Putin.

São os chamados “Kremlin trolls”, numa alusão ao termo cunhado para caracterizar um baderneiro virtual que surge para provocar discórdia nas redes sociais e em seções de comentários de blogs e sites, quase sempre com postagens agressivas.

Departamento de memes

Burkhard passou dois meses nos escritórios da Agência de Pesquisa em Internet São Petersburgo – uma holding supostamente dirigida por Yevgeny Prigozhin, chef e amigo pessoal de Putin, e totalmente voltada à propaganda pró-Rússia. O blogueiro é simpatizante do Ocidente e alegou ter aderido apenas para compreender como funcionava o esquema.

Segundo Burkhard, o trabalho consiste basicamente em passar um turno de 12 horas comentando em blogs e portais de notícias e espalhando pela rede imagens adulteradas em favor de Putin. Assim como nos cargos comuns de telemarketing, é preciso cumprir uma cota mínima diária de pelo menos 135 comentários, sendo que todos devem ter no mínimo 200 caracteres. Os trolls também recebem instruções diárias sobre as emoções que devem evocar em cada comentário. Os salários são relativamente elevados para os padrões russos e variam entre 40 a 50 mil rublos por mês (algo entre 2.300 e 2.900 reais).

Burkhard também revelou a existência de um departamento para a criação de memes (imagens bem humoradas que geralmente viralizam na rede) e outro apenas para atuar no LiveJournal, um dos sites mais populares na Rússia. Ele também mencionou equipes específicas para atuar em sites ucranianos e um grupo exclusivo para atacar sites de notícias como a CNN e a BBC.

Andrei Soshnikov, repórter do semanário Moi Rayon, de São Petesburgo, disse que tem havido um impulso nos últimos meses para contratar mais trolls que falam inglês, como parte de um esforço para influenciar a opinião pública nos Estados Unidos.

Soshnikov foi um dos primeiros jornalistas russos a escrever sobre a “fábrica de trolls”, chegando inclusive a postar um vídeo no YouTube mostrando o ambiente de trabalho na Agência de Pesquisa.

Alto impacto

Estima-se que a equipe atual de trolls do Kremlin conte com 600 agentes. Parece pouco no ambiente online, que já é acessado por quase três bilhões de pessoas, mas aparentemente os trolls têm sido capazes de impactar a rede com suas opiniões.

Em 2014, o jornal britânico The Guardian queixou-se do que classificou como uma “campanha orquestrada” pró-Rússia nas seções de comentários de suas reportagens sobre os conflitos na Ucrânia. Em 2012, o mesmo jornal havia alertado sobre um grupo pró-Kremlin que, segundo seus editores, atuava na internet “com o objetivo de fornecer uma cobertura lisonjeira do presidente russo Vladimir Putin e os planos para desacreditar ativistas da oposição e a imprensa”.

Quando Boris Nemtsov, líder da oposição russa, foi morto a tiros em Moscou no final de fevereiro de 2015, o movimento dos trolls do Kremlin foi rapidamente percebido na internet, acusando os Estados Unidos de estar por trás do assassinato.

Outra questão fundamental é que a campanha tem afetado ativamente a relação da Sérvia com a Rússia e a União Europeia. Como a maioria das informações recebidas pelos sérvios vem da imprensa russa, a atuação dos trolls acaba criando a ideia de que o regime ucraniano é neonazista e de que Putin estava certo ao anexar a Crimeia.

“Uma das consequências disso é que o apoio popular à integração da Sérvia à União Europeia despencou para menos de 50% pela primeira vez desde a mudança democrática na Sérvia em 2000”, disse Jelena Milic, analista política do Centro de Estudos Euro-Atlântica, em Belgrado. “Vai ser muito difícil recuperar esse apoio público”.

A falta de apoio popular pode terminar afastando a Sérvia da proclamada adesão à União Europeia, colocando-a mais perto ainda da órbita da Rússia. A operação tanto tem preocupado a UE que o bloco elaborou um plano para combater a campanha de desinformação na Rússia.

O Ministério das Relações Exteriores da Alemanha também interveio e tem tentado contrariar a propaganda russa, emitindo memorandos a seus diplomatas com informações para desmascarar alguns dos argumentos russos padrão sobre os conflitos na Ucrânia.