No ano passado, a confirmação de que uma novela das oito, da Rede Globo de Televisão, teria sua primeira protagonista negra, sobretudo por se tratar de um folhetim de Manoel Carlos, foi motivo de burburinhos em todo o país. Entretanto, já era de se imaginar que a Helena de Viver a Vida não seria diferente das outras apenas pela cor da pele, idade e formato dos cabelos.
O que a fez ser considerada pior foi a total fragilidade e pouca representatividade (brilho) da personagem. O que impulsionou o telespectador a nutrir antipatia, chegando ao ponto de não admiti-la no papel principal. No início, a trama girava em torno da história de Helena (Taís Araújo), uma modelo internacional que se apaixona por Marcos (José Mayer), pai de Luciana, uma rival das passarelas, em início de carreira (Alinne Moraes).
Todas as Helenas de Manoel Carlos sofreram, mas não com tanta intensidade como esta. Além disso, nunca foram tiradas da posição central. A cada capítulo, a personagem só ganhava problemas. Primeiro, ela já começa sendo o pivô da separação de Marcos, com quem se casa. Depois briga com Luciana, que sofre um acidente, fica tetraplégica e impedida de seguir carreira. Helena se sente culpada, se condena e é condenada a todo tempo pela mãe da jovem, Tereza (Lília Cabral). Seu casamento entra em crise. Nesse período, ela descobre que está grávida e, após voltar para o marido, perde o bebê de forma natural. Logo mais, se separa, começa a namorar e termina a trama com o fotógrafo Bruno (Thiago Lacerda) – que é filho de Marcos e ela não sabe.
‘Morra Helena’ no Orkut
O drama foi tão longo que a personagem chegou a chorar por quase uma semana, gerando insatisfação de telespectadores. A própria atriz – em entrevista a um programa da emissora – disse que não aguentava mais chorar. Mas, sem dúvida, o que mais chocou o público foi uma cena veiculada em pleno mês de novembro, próximo às comemorações do Dia da Consciência Negra, na qual a personagem discute com Tereza o acidente de Luciana. Helena se humilha: perde perdão de joelhos e recebe – passivamente – uma bofetada na cara. Em Laços de Família (2000/2001), é Helena (Vera Fischer) que dá uma surra em Íris, interpretada por Débora Secco.
A rejeição à Helena de Viver a Vida foi tão grande, que a internet está repleta de comentários que a classificam como arrogante e até ‘Cebosa’. Essas são também são algumas das justificativas para a criação de uma comunidade no Orkut com o título ‘Morra Helena’. Esta comunidade abriga quase 400 participantes, enquanto outra a favor de sua vida possui 47. Muitos espectadores atribuem o fracasso da personagem a interpretação da atriz, porém, convém frisar que o ator interpreta o que está no script.
As conseqüências no tecido social
Portanto, esta Helena não se comportou como as outras porque assim mandava o roteiro. Prova disso é que, em determinados momentos a personagem desaparecia da trama por dias, para dar lugar as cenas de sofrimento e tentativa de superação da pobre Luciana, que só estava na cadeira de rodas por causa dela.
Desse modo, o próprio autor da novela ‘empurrou’ Helena para a rejeição. Após ser criticada duramente pela mídia e pelos espectadores, ela sai de cena e uma ‘Helena’ injustiçada, cadeirante, fortalecida e branca surge pouco a pouco na figura de Luciana.
No capítulo final, Luciana desfila – mesmo na cadeira de rodas – ao lado de sua algoz. No encerramento do folhetim, o destaque também é Luciana, que chora juntamente com a mãe e as irmãs. Helena é só mais uma na multidão de espectadores presentes na apresentação da orquestra. O deslocamento do papel principal para Lucina mostra como a TV brasileira ainda precisa evoluir no que diz respeito às representações do povo negro. É preciso que os autores e diretores entendam seu papel enquanto veículo de comunicação, formador de opinião e, principalmente, as conseqüências de suas produções no tecido social.
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Estudante de Jornalismo, Salvador, BA