Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A jovenzinha da novela e o golpe midiático

A cena: remake na novela Ti-ti-ti, da Rede Globo – Capítulo de sexta-feira (13/8). Numa reunião de família, com a presença da mãe e de dois filhos adolescentes, o estilista Jacques Leclair comenta sobre o fracasso do evento em que deveria ter sido a ‘estrela’. O problema é que o vestido que ele criou foi ofuscado por outro, do falso estilista e até então desconhecido Victor Valentim. Sobre o fato, sua filha Mabi, interpretada pela atriz Clara Tiezzi, que aparenta ter nascido neste século, profere a seguinte conjectura: ‘Ou esse cara não existe e tudo isso é um grande golpe midiático ou ele é o maior gênio da autopromoção dos últimos tempos.’

‘Golpe midiático’ e ‘gênio da autopromoção’, na boca de uma pré-adolescente que aparenta nem ter desenvolvido ainda os seios, numa mesma frase!?

Primeira opção: autores de novelas da Globo adoram usar crianças e adolescentes como alter ego. Com elas, podem dar cutucadas que, na boca de adultos, poderiam soar deselegantes e não ter a mesma ‘graça’. Afinal, o que uma criança diz, na sua ‘inocência’, sempre é mais perdoável. Como consequência, com raras exceções, estes personagens são absurdamente mais sábios e experientes do que os adultos à sua volta. Portanto, para mim, insuportavelmente chatos, porquanto irreais.

Qual o valor pedagógico de ficar mostrando crianças e adolescentes como sábios prestes a alcançar o nirvana, quando, no mundo real, não é assim? É claro que, para funcionar, os adultos ao redor têm que parecer um pouco apatetados em algumas situações, para que se sobressaia a ‘sapiência’ destas crianças-prodígio. É ficção, claro, mas como deve afetar a autoridade paterna, ao longo de anos, quando as crianças ficam assistindo adultos que pouco ou nada têm a ensinar aos seus filhos?

Segundo cenário: ou será que, depois dos 50, transformei-me num velho chato e implicante? E, na verdade, todas as pré-adolescentes são brilhantes assim, na era da informação? O fato de que eu não veja crianças e adolescentes usando tais conceitos, próximos a mim, seria porque sou um representante da classe média de uma periferia? Os filhos da intelligentsia deste país falam assim? É a conversa das rodas intelectuais que se lhes perpassa e é absorvida, talvez, sei lá, por osmose?

As pré-adolescentes a que tenho acesso e sobre as quais leio estão falando é do Justin Bieber ou do Luan Santana (os jovens astros cantores da moda). Mas, algumas estariam antenadas nos ‘golpes midiáticos’?

Devem ser estes jovens que ouço falar nos eventos mais recentes de que participei – por exemplo, num curso de Jornalismo Científico, aqui em Cuiabá. Para os palestrantes, os jovens de hoje, ao contrário de nós, dinossauros em extinção, que nos ocupamos de uma coisa por vez, estes são ‘multitarefa’, fazendo diversas coisas ao mesmo tempo. Conseguem falar ao celular, teclar numa rede social, ver TV, ouvir música e estudar, tudo ao mesmo tempo. Que legal quando os pais, orgulhosos, veem seus filhos executando esse ‘prodigioso desempenho’!

Não é o que pensa este chato implicante. Com qual competência estes jovens estão executando cada uma destas ações num mesmo momento? A qualidade do estudo, nesta circunstância, ouso afirmar, é uma porcaria. Já tem pesquisa mostrando que em casa onde a criança tem acesso à internet, mas os pais são ausentes, o rendimento escolar é prejudicado. O jovem, sem supervisão, irá ficar o tempo todo nas redes sociais e nas páginas de sexo. Estudar, que é bom, vai ser na base do Control C + Control V e nem vai ler o que copiou. Por enquanto, salvo honrosas exceções, que devem existir, o jovem multitarefa, eficiente em tudo o que faz ao mesmo tempo, é uma ilusão, mais uma lenda urbana.

Ou não, como diria aquele humorista imitador do Caetano. Mas, afinal, o que tem a ver a primeira parte deste artigo com segunda? Também não tenho certeza. Fazer o quê? Quando era pré-adolescente, eu não dominava conceitos sequer parecidos com ‘golpe midiático’.