Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A luta para manter a internet livre do controle dos governos

O primeiro encontro de governos mundiais para debater o futuro da internet terminou numa dramática discórdia, com 55 estados-membros de um organismo das Nações Unidas recusando-se a assinar um tratado global sobre telecomunicações internacionais. O fracasso das conversações assinala a primeira batalha daquilo que será um desafio duradouro para definir a governança e o controle da internet no século 21.

A Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais, que terminou na semana passada em Dubai, tem um mandato que a autoriza a modernizar uma série de normas redigidas em 1998, na época pré-internet. Embora a atualização das regras que regem a telefonia global tenham mostrado ser de fácil aceitação, o esforço persistente por parte de algumas nações de por a internet no centro da agenda mostrou servir de catalisador para que vários países e regiões – dos Estados Unidos e União Europeia à Costa Rica, ao Japão e à Letônia – não assinassem o tratado.

Os governos que discordam de um novo tratado citaram o profundo compromisso para com o dinâmico modelo de governança da internet que surgiu, enquanto organização, nos últimos vinte anos. Baseada na cooperação entre a sociedade civil, organismos técnicos globais e o setor privado, a internet prosperou para além do controle de governos, adotando inovações e um crescimento surpreendente através de sua estrutura aberta e globalmente não regulamentada. A versão final do tratado entra em colisão com esse paradigma de quatro maneiras críticas.

A definição da abrangência

Em primeiro lugar, por insistência da Rússia, China e vários estados árabes, o tratado inclui a coordenação de cibersegurança, definida, de modo eufemístico, como segurança “da rede”. O tratado consulta a União Internacional da Telecomunicações, da ONU, e seus estados-membros para que tenham acesso a compromissos vagos que os especialistas receiam que possam evoluir para um esforço, por parte dos estados, em direção à vigilância global do tráfego pela internet.

Em segundo lugar, incentivado pelas nações africanas e apoiado por países como o Irã e a Arábia Saudita, o tratado cria a exigência de que os estados-membros procurem defender-se dos spams da internet, o que é definido, de maneira vaga, como “grande parte das comunicações eletrônicas não-solicitadas”. Os críticos destacaram que os spams são facilmente administráveis pelos softwares e tecnologias predominantes e advertiram que uma definição mais abrangente podia ser apropriada como uma ferramenta para censurar conteúdo – tanto para discurso político quanto para publicidade na web.

Em terceiro lugar, o tratado tem uma resolução convocando a União Internacional de Telecomunicação (ITU, na sigla em inglês) e seus membros a desempenharem um papel mais abrangente na “governança internacional da internet para garantir a estabilidade, a segurança e a continuidade da atual internet e seu futuro desenvolvimento”. Essa cláusula específica foi adotada à 1h30 de quinta-feira (14/12), sem votação e baseada no número de mãos levantadas, que começou com Hamadoun Touré, secretário-geral da ITU e foi acompanhada pelo presidente da conferência, Mohammed al-Ghanim, dos Emirados Árabes Unidos.

Para terminar, uma nova formulação do tratado muda a definição de sua abrangência e autoridade de maneira ambígua, criando uma classe de entidades que são remetidas a essa jurisdição, incluindo, potencialmente, os serviços de provedores de internet, redes digitais particulares e redes digitais governamentais.

Competição para as próximas décadas

Por que estariam algumas nações tão determinadas em limpar a internet sob o argumento de que o último tratado da ONU que revisou o assunto foi há 24 anos? A internet conecta 2,2 bilhões de pessoas, com 500 mil novos usuários diariamente. Avalia-se que a economia da internet terá um valor de 4,2 trilhões de dólares (cerca de R$ 8,8 trilhões) em 2016 – apenas para o Grupo dos 20 –, com um crescimento anual de 8% a 18% nos países em desenvolvimento. De maneira mais profunda, a internet emergiu como a tecnologia mais poderosa da história ao fomentar mudanças políticas e sabotar regimes autoritários. Para muitos estados, a internet é atualmente compreendida como um recurso estratégico de consequências demasiado importantes para ser deixada fora de seu controle.

A competição pelo controle da internet irá acelerar-se — dividindo-se, provavelmente, em dois blocos. Um tentará preservar o paradigma do controle não-governamental que permitiu à internet prosperar. O outro tentará explorar os benefícios da internet, mas tentará governá-la e dar-lhe forma por meio da autoridade de um controle estatal e intergovernamental. Esta competição promete ser um dos principais temas da geopolítica das próximas décadas.

Informações de Gordon Goldstein, Financial Times, 17/12/12; o autor é vice-presidente da Silver Lake e participou da delegação americana presente à Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais.