Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A outra jabuticaba que o Brasil inventou

O conteúdo do modelo brasileiro de televisão aberta é baseado na “grade” dos programas de rádio da década de 40 e 50. Fez muito sucesso pois o contexto era diferente (país rural, a caminho da industrialização), mas foi mantido por conta dos hábitos das famílias brasileiras daquela época. Em 1965, já com a crescente popularidade da televisão e coincidentemente com a criação da TV Globo, foi criada a Lei n° 4.680/65 para normatizar a relação entre anunciantes, agências e veículos de comunicação (vários meios). Um regulamento é particularmente pernicioso (art. 11º do Regulamento da citada Lei aprovado pelo Decreto n° 57.690/66), pois estabelece que os veículos “darão” 20% de desconto às agências sobre aqueles investimentos para publicidade dos anunciantes mas administrados por elas. Que fique claro que são verbas de empresas públicas, privadas ou de economia mista destinadas a ações de comunicação de marketing.

Além daqueles 20% (da chamada comissão) há um adiantamento para as agências por conta do volume de investimento delas com o dinheiro dos clientes. Assim, são ainda mais “estimuladas” a manter sua programação nos grandes veículos: verba milionária que deturpa o negócio e as relações comerciais.

Os grandes veículos deram o nome a isso de “estímulo comercial”, mas no mercado publicitário isso se chama “BV” (“bonificação por volume de investimento). Ou seja: os valores são aplicados mas voltam para as agências, que reforçam seus caixas. E elas são “estimuladas” a usar mais verba naqueles mesmos e determinados veículos que “oferecem” o tal “estímulo”. Lógico que acabam preferindo aqueles que usam dessa prática (os grandes) em detrimento daqueles que não o fazem (os pequenos). E quem paga a conta? O anunciante. E quem é o maior anunciante do país hoje em dia? O governo federal, através de seus Ministérios (que têm obrigação de fazer campanhas de esclarecimento) e das empresas estatais ou de economia mista (que fazem o mesmo e têm que competir com companhias globais) para divulgar seus produtos e serviços.

Os investimentos em 2010

Pois bem. Num país de dimensões continentais, com o poder de cobertura do rádio e com a expansão da internet, não se justifica este tipo de “incentivo” e a preferência por poucos veículos. E menos ainda, a grande concentração de verbas na mídia televisão aberta – majoritariamente na Rede Globo – em prejuízo dos veículos menores e mesmo aqueles com capacidade de grande penetração, como o rádio, incluindo as comunitárias. A Rede Globo por exemplo, apesar de hoje em dia ter entre 35 e 40% de participação no mercado, fica com aproximadamente 70% do bolo publicitário das TVs!

Vejam o que diz Fernando Tassinari, gerente-geral da empresa de comunicação digital “Razorfish Brasil”, durante participação no Workshop Aner – Redes Sociais, promovido pela Associação Nacional dos Editores de Revistas: “Mesmo com o grande crescimento da internet no país, com mais de 40 milhões de usuários, segundo pesquisa divulgada em fevereiro pela ComScore, a fatia publicitária destinada a este meio de comunicação ainda é pequena e não chega a 5%.”

Segundo o Projeto Intermeios, do Grupo M&M, os investimentos em 2010 ficaram divididos assim: TV Aberta (64%), internet (4,46%), TV fechada (3,28%). Na mídia impressa, a fatia dos jornais no bolo ficou em 12,36% contra 7,5% das revistas. Os investimentos em rádio somaram apenas 4,18%.

Monopólio da informação

Este sistema de privilégios, que não existe no mundo, impede, por exemplo, que empresas e companhias donas de várias linhas de produto (sejam elas nacionais, globais ou estatais) deixem de investir aqueles 20% no desenvolvimento de campanhas para outros de sua linha. Por exemplo: uma grande fábrica que tem 20 produtos acaba fazendo comunicação de apenas 10 deles. Não fazendo de outros, não os vende como gostaria, não estimula a concorrência, a empresa não cresce, não gera mais empregos, não paga mais impostos etc. Um volume brutal de verbas mantém um ciclo vicioso que só mantém benefícios para alguns poucos.

Durante o governo Lula, nas gestões dos ministros Luiz Gushiken e depois Franklin Martins, à frente da Secom, foram feitos estudos que apontavam distorções e desperdício de dinheiro na programação de mídia. Decidiu-se, então, pela pulverização das verbas de publicidade governamental (ministérios e estatais) pelo país todo fazendo a distribuição entre TVs regionais, jornais locais e rádios, principalmente. Mesmo assim, manteve-se ainda grande concentração na televisão.

Por conta disso, tanto os veículos da grande mídia quanto o mercado publicitário em geral vociferaram contra os critérios e dispararam críticas contra a nova política (cuja análise foi técnica), pois entenderam que perderiam as verbas consideradas “sagradas”. E afinal, para falar nos rincões da Amazônia, é melhor o rádio; para um comunicado local, é melhor o jornal da cidade – e assim foi feito um esforço tremendo numa mistura de análise criteriosa e ação social. Mas ficou a mágoa da grande indústria da mídia traduzida em críticas descabidas até hoje.

Outro ponto que sempre provoca a grita da grande mídia contra o novo marco regulatório é que ele impeça um mesmo grupo de deter várias plataformas de geração de conteúdo, como ocorre hoje. E nisso também o Brasil é exemplo no mundo (negativo), pois só aqui um conglomerado tem e mantém TV aberta, TV fechada, distribuição do conteúdo via cabo e satélite, rádio, jornais, revistas e portal de web! Isso é deletério para o Estado de Direito, pois configura monopólio da informação, possível manipulação da notícia para defender interesses e desrespeito ao contraditório entre outros aspectos.

Falta combinar com os russos…

Além disso, os grupos encastelados (são 12 famílias que dominam os principais meios no país) temem a abertura para novos players de capital internacional que trariam know-how e novos modelos de negócios para fazer frente aos tradicionais, que muitas vezes não se sustentam com pernas próprias e dependem do governo (e suas verbas robustas). Querem manter seus privilégios, grandes negócios e domínio da opinião pública. Isso vale para os donos das concessões de TV e rádio (que, pela Constituição, exploram os canais com função social) e também para os conglomerados de mídia impressa (jornais e revistas) que, apesar de privados, vivem em eterna crise em seu modelo de negócio por conta das rápidas transformações dos meios e plataformas em desenvolvimento. Sem contar a mudança do perfil da população brasileira mais madura, esclarecida e inteligente.

Como se vê, a mentalidade “grade de rádio anos 50” ainda quer prevalecer. Falta combinar com os russos…

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[Maurício Machado é designer, consultor de marketing e publicitário]