Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A pandemia e o papel dos observatórios

(Foto: Agence Olloweb/Unsplash)

O que é observar? Qual a diferença entre ver e observar?

Observar, ver com atenção, examinar algo com cuidado, dar-se conta de algo, conhecer a fundo. Daí nasce a palavra Observatório e seu foco e olhar mais aprofundado para o objeto de interesse. Não só o olhar, o observar, mas o cuidado, o tratar a informação recolhida. Um olhar que sonda, retém, avalia.

Observatório do ponto de vista semântico tem como definição mais comum em dicionários o lugar ou local de onde se observa. Apesar da palavra ter seus usos iniciais referidos ao fato de que originalmente os observatórios eram construídos para a observação de fenômenos físicos, naturais, astronômicos, geográfico. A palavra vai ser incorporada pelas ciências sociais por volta da década de 60 de século XX, como mostram definições de dicionários como o Priberam da Língua Portuguesa, online: “Instituição que se dedica à observação, acompanhamento ou divulgação de determinados fenômenos ou informação”.

Mattelart, no texto A construção social do direito à comunicação como parte integrante dos direitos humanos (2009), afirma que “observar é decifrar o conteúdo das informações, mas também analisar as causas estruturais do silêncio, por causa das censuras, das distorções. Observar conjuga-se com pesquisar, interrogar, alertar, propor”. Já o pesquisador mexicano Angulo Marcial, em Qué son los observatorios y cuáles son sus funciones? (2009) faz uma definição da observação como uma forma de se examinar a realidade e que, para isso, é necessário ter clareza e saber os objetivos da observação, além da maneira como ela é feita.

Os observatórios, sob esse ponto de vista, podem ser vistos como instâncias de participação, considerando esse conceito como um processo de desenvolvimento da consciência crítica e de aquisição de poder, de acordo com Bordenave e ainda uma forma de poder, uma maneira de intervir na realidade, estimulando a participação dos cidadãos e contribuindo para um ambiente democrático, especialmente em um contexto de “pós-verdade” e desinformação.

Tudo ou quase tudo pode ser observado. Pobreza, direitos, emprego, migrações, educação, mídia. Por que não pandemias e como são retratadas?

Não é preciso muito esforço para perceber em uma rápida navegação em buscadores que desde março, com o início da pandemia do novo coronavírus, começaram a surgir vários observatórios voltados ao tema. De secretarias de saúde de municípios e estados a institutos de pesquisas e pesquisadores independentes, nos quatro cantos do país surgem o que consideramos essas instâncias de participação e cidadania.

O que pudemos observar, sem nenhuma pretensão científica, é que a maioria dos observatórios estão em universidades/institutos de pesquisa, grupos independentes de pesquisadores ou associações e algum órgão do poder público, seguidos em número bem menor por operadores de direito e observatórios ligados a grupos ativistas.

Não nos surpreende a preponderância das universidades, tendo em vista que elas têm sido cenário para a maior parte de instâncias como observatórios. Isso pode ser explicado pela demanda que eles geram em termos de acompanhamento, produção de informações, atualização, análises e criação de repositórios, para ficar apenas nessas funções que também foram encontradas ao analisarmos a descrição dos observatórios que encontramos. São elas:

1 – Monitorar, recolher, organizar/sistematizar e divulgar informações (sejam elas pesquisas, “lives”, financiamentos, mapeamentos de iniciativas etc.)

2 – Advocacy (a partir das informações atualizadas, provocar o poder público no sentido de construir políticas públicas).

3 – Identificar tendências (a partir do monitoramento e o uso de modelos matemáticos construídos a partir do conhecimento e dados disponíveis).

4 – Análise (a partir das informações recolhidas e com uma equipe especializada, fazer análise do cenário e das informações recolhidas).

5 – Propor Soluções (a partir das informações, propor ações e soluções para a pandemia ou para uma classe específica de profissionais.

6 – Denúncias (receber denúncias sobre violações pelo poder público decorrentes da COVID-19, como saúde, previdência social, assistência social, moradia e outros direitos afetados pela pandemia).

7 – Publicação de relatórios, informativos e outros tipos de produções.

8 – Repositório.

Cabe aqui destacar o Observatório da Covid-19 nos Quilombos, que realiza algumas das ações acima, mas do ponto de vista do povo quilombola, pela invisibilidade que tem nos dados estatísticos e, consequentemente, nas políticas públicas, o que configura um dos papéis mais importantes dos observatórios enquanto instâncias de participação e cidadania.

Um dos problemas que identificamos em alguns dos observatórios é a falta de atualização das informações nos sites dessas instâncias. No caso da pandemia, porém, é complicado ter um observatório que no dia 7 de agosto tinha como reportagem mais recente uma de 4 de junho e uma comparação de cenários que se referia a 19 maio. Isso mostra a dificuldade de manutenção de um observatório e a necessidade de recursos! Recursos humanos, físicos e financeiros.

Sempre bom destacar também a importância de os observatórios superarem o denuncismo, e irem mais além, sugerindo soluções alternativas para o que criticam e querem influenciar, transformar. A nosso ver, inclusive, esse olhar mais positivo, que aponta caminhos, aproxima os observatórios da sociedade e consegue gerar maior impacto, transformações, melhorias, além de reforçar a percepção da importância do seu trabalho.

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Referências

Apenas a título de ilustração, deixamos aqui os nomes dos observatórios que identificamos e que podem ser objeto de uma investigação mais profunda pela contribuição que dão neste momento de pandemia: Observatório Covid-19, integrado ao Observatório da inovação; Observatório Covid-19 BR; Observatório Covid-19 Fiocruz; Observatório de Tecnologias Relacionadas ao Covid-19; Observatório Nacional Covid-19; Observatório da Escola da Magistratura da Ajuris; Observatório Covid-19 Uberaba; Observatório Covid-19 da CEPAL; Observatório da Covid nos Quilombos; Observatório do Centro de Estudos de Migrações Internacionais – CEMI; Observatório de Evidências Científicas Covid-19; Observatório Geográfico sobre os Impactos do Covid-19; Observatório de Dados Covid-19 no Brasil; Observatório Covid Cress-CE (Conselho Regional de Serviço Social 3ª região); Observatório do Coronavírus; Observatório Covid-19 e o Direito; Observatório Covid-19 Maringá; Observatório do Coronavírus do Ibrachina; ObservaDR/Covid-19.

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Cristiane Parente é Jornalista Amiga da Criança (ANDI/Unicef), Educomunicadora, Professora. Doutora em Comunicação pela Universidade do Minho, Mestre em Comunicação, Cultura e Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona, Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. Sócia-Diretora da empresa de consultoria Iandé Comunicação e Educação.