O Estado de S.Paulo, 27/2
Alexandre Matias
Televisão Social. Hoje todos veremos o Oscar juntos
A TV já foi o centro do lar e agregadora de atenções. Sua ascensão, após a Segunda Guerra Mundial, fez com que o momento de união da família, antes à mesa ou na missa, mudasse para a sala de estar, ao redor da luz branca dos raios catódicos. Mas, como já disse aqui em outras oportunidades, a TV deixou de ser o centro das atenções à medida que o computador foi ganhando espaço dentro da casa. Primeiro veio um, que era de uso da família. Depois ele começou a aparecer no trabalho e logo foi para outros cômodos, tornou-se portátil e, se não chegou a deixar a TV em segundo plano, conseguiu tirá-la do foco central doméstico.
E isso fez muitos se perguntarem se o computador estaria matando o aspecto social da TV, em que famílias e amigos se reúnem em frente do aparelho para discutir a novela, o jogo ou o programa da vez. O Oscar, cuja cerimônia de premiação será exibida hoje para todo o mundo, era um desses eventos.
Era? Em tempos de redes sociais, pode até ser que as pessoas não façam mais festas para assistir ao programa num mesmo cômodo. Mas não há nenhuma dúvida de que a audiência global do programa estará com um olho na TV e o outro no monitor ou na telinha do smartphone. As pessoas podem não estar mais virando para o lado e comentando o vestido da tal atriz, a piada sem graça do apresentador tal ou a bobagem que o dublador traduziu errado. Mas estão falando isso para todo mundo, no Twitter, no Facebook, em blogs, comentários de sites ou de trechos de vídeo que vão parar no YouTube antes mesmo de o programa terminar.
Foi assim com o enterro do Michael Jackson e no Grammy, é assim em qualquer grande jogo de futebol ou no Big Brother. E vai continuar sendo assim… até o dia em que a televisão se misturar com a internet de vez.
E aí temos uma boa resposta para uma das questões que mais afligem produtores de conteúdo e veículos de comunicação. Os blogs serão mais importantes do que os jornais? O YouTube já é mais importante do que a TV? A mídia tradicional será suplantada pela social?
Tudo indica que não. Que ambas plataformas se misturarão num ambiente em que a grande mídia pauta uma conversa que se desdobra num diálogo que segue na audiência. E daqui a pouco teremos telinhas de chat no canto da TV, tweets aparecendo embaixo da imagem principal e links pra Wikipedia para descobrirmos quem é aquele tal ator. E a TV vai ser mais social do que jamais foi.
O Estado de S. Paulo, 26/2
Carolina Rossetti
Tweet de dois gumes
Hora de se despedir dos ditadores analógicos, aqueles que faziam discursos absurdamente longos no rádio e na TV. Na geração dos autocratas 2.0, os pronunciamentos cabem em 140 caracteres, porque todo ditador que se preze tem hoje um perfil no Twitter – seja ele verdadeiro ou fake.
As ditaduras migraram para o online, alerta o autor de The Net Delusion: The Dark Side of Internet Freedom (PublicAffairs, 2011), e a web não é porto seguro para cidadãos vivendo sob regimes opressores. Para o bielo-russo Evgeny Morozov, professor visitante na Universidade Stanford, na Califórnia, é verdade que em tempos de instabilidade política, como ocorre no Norte da África, a balança pesa para o lado dos manifestantes, que se aproveitam da internet para se organizar. Mas quando a poeira baixa – ‘e nem sempre o resultado será tão favorável quanto foi no Egito’ -, governos autoritários sabem usar a internet como instrumento de opressão, rastreando opositores e vigiando a opinião pública.
Líbia desconectada
‘A internet não está tendo um papel significativo na Líbia. Com ou sem a rede, manifestantes estariam transbordando para as ruas. Mas faz sentido que Kadafi tenha desconectado o país. O regime corre perigo e não é hora de gastar energia vigiando opositores online. Em tempos de estabilidade, ditaduras usam agressivamente a internet para fazer autopromoção, com a contratação de blogueiros pró-governo, vigilância, monitoramento das redes sociais, instalação de spyware nos computadores de dissidentes e ameaças a opositores via ciberataques. Autocratas criativos usam a rede para distrair a população das questões políticas. Para sorte desses líderes, a web providencia oportunidades maravilhosas de entretenimento que nos fazem esquecer nossas miseráveis existências. Imperadores usavam o ‘pão e circo’ – e existe muito disso online.
Egito: primeira revolução digital?
‘Os manifestantes egípcios não eram avatares que aderiram a um grupo online antigoverno. Eles usaram a web para protestar no mundo real. Para alertar sobre os riscos da internet, circulou por Tahrir um folheto com dicas de segurança, como evitar distribuir informações sobre os protestos pelas redes sociais, que podem ser monitoradas. Vale notar que no Norte da África a penetração da internet não é alta. Mas o importante era pôr gente bastante nas ruas, atrair a cobertura da mídia tradicional e mandar um sinal à população de que o governo podia ser enfrentado. Os facebookers detonaram o processo; a TV e os celulares fizeram o resto. Mubarak ignorou o potencial político da rede e pagou por isso. Na Rússia e China, grupos de oposição que surgem nas redes sociais são deletados em poucas horas e os fundadores presos. Devemos celebrar o papel que a internet teve na Tunísia e Egito – estão dizendo que a primeira revolução pela internet foi a egípcia. Mas não podemos cair no discurso entusiasta de que a rede tornou o autoritarismo obsoleto. Não é verdade. E devemos ter em mente que nem sempre o resultado será tão favorável.
China censura Google
‘Revoluções são eventos contagiosos. O governo chinês, com a experiência dos protestos de 1989 na Praça da Paz Celestial, não está disposto a assumir riscos – daí a censura a menções sobre o Egito no Google. Aliás, o monopólio das empresas de internet é um problema enorme para o futuro potencial do ativismo digital. Hoje, esse potencial está atrelado aos interesses do Google, Facebook e Twitter. E se um dia o Facebook decide que fazer dinheiro na China é mais importante do que dar voz aos dissidentes? Muitos deles já estão descontentes com a empresa por não permitir pseudônimos. Fazer com que essas companhias atuem com responsabilidade é um grande desafio, e acho que essa é a área que governos precisam focar quando discutem liberdade de expressão na web.
Irã: repressão on e offline
‘Levando em conta a rapidez com que a tecnologia tem avançado, é decepcionante ver que o Irã ainda agride seus cidadãos mesmo com o mundo inteiro olhando. A morte da jovem Neda, amplificada pela internet, é um exemplo disso. Se o Irã estivesse preocupado com a imagem não mandaria franco-atiradores dispararem contra manifestantes com celular. Os ciberutópicos adoram falar das ‘escolhas’ que as tecnologias nos permitem. Tá bom, agora podemos escolher entre cem marcas de máquinas de café, mas também há cem opções que a polícia têm para nos rastrear. A internet traz um elemento de ‘poder ao povo’, mas esse não é nem o único fator nem o dominante. Não é o povo que lucra quando informações de milhares de pessoas são coletadas por corporações privadas que depois revendem essa informação para governos. Como acontece nos EUA. É hora de parar de falar apenas do lado cor-de-rosa e começar a confrontar o lado negro da internet, que tem sido pouco estudado.
Cuba: um respiro para blogueiros
‘Odeio tentar adivinhar o que regimes autoritários pensam – eles não costumam agir racionalmente. Mas, em geral, quando governos autoritários retiram restrições de blogs populares como o Generácion Y, de Yoani Sánchez, estão fazendo uma concessão para a oposição ou tentando mostrar que não têm medo dos blogueiros. Ou podem estar tentando saber mais sobre os leitores desses blogs. No caso de Yoani, o objetivo talvez seja mandar uma mensagem para o exterior.’
EVGENY MOROZOV – autor de The Net Delusion e do blog Net Effect, Da Foreign Policy, sobre como a rede influencia a política mundial
O Estado de S.Paulo, 26/2
Jennifer Preston e Brian Stelter
Celulares são olhos do mundo
Para alguns dos manifestantes que enfrentam as forças de segurança fortemente armadas do Bahrein na Praça da Pérola e ao seu redor, em Manama, a arma mais poderosa contra os fuzis e o gás lacrimogêneo tem sido a minúscula câmera de seus celulares. Transferindo as imagens da violência ocorrida esta semana a sites da internet como o YouTube, Facebook e Twitter, os manifestantes chamaram a atenção do mundo para suas reivindicações.
Uma novidade há menos de uma década, a câmera do celular tornou-se um instrumento vital para documentar a reação dos governos à inquietação que se alastrou pelo Oriente Médio e Norte da África. Reconhecendo o poder desta forma de documentação, os grupos de defesa dos direitos humanos publicaram guias e forneceram treinamento para possibilitar o uso eficiente das câmeras.
‘Finalmente, vocês têm uma tecnologia de vídeo que cabe na palma da mão e o que uma pessoa registra pode dar a volta ao mundo’, disse James E. Katz, diretor do Centro Rutgers para Estudos sobre Comunicação Móvel. ‘Esta é a faca na garganta de velhos regimes.’
Na Tunísia, os celulares foram usados para captar imagens em vídeo dos primeiros protestos em Sidi Bouzid, em dezembro, o que contribuiu para que a agitação se alastrasse a outras partes do país. As imagens também levaram os produtores da TV Al-Jazira a começar a transmitir a revolta, o que derrubou o governo tunisiano em janeiro e preparou o caminho para os protestos no Egito.
Embora os celulares com câmeras sejam comercializados desde o final dos anos 90, somente quando o tsunami atingiu o Sudeste Asiático, em 26 de dezembro de 2004, a imprensa começou a dar a merecida atenção aos vídeos criados e postados por amadores. Em junho de 2009, vídeos de celulares da morte de uma jovem em Teerã, conhecida como Neda, foram divulgadas graças ao YouTube, galvanizando a oposição iraniana, e foram vistas em todo o mundo.
Agora, os meios de comunicação passaram a procurar e divulgar estas imagens. Garantir sua autenticidade continua sendo um problema, porque as fotos podem ser facilmente alteradas por computador, e vídeos antigos podem voltar a circular, como se fossem recentes. O YouTube está usando o Storyful, um site de agregação de notícias, para administrar as dezenas de milhares de vídeos sobre o Oriente Médio que foram transferidos nas últimas semanas, e destacar os principais no canal CitizenTube.
Os sites de hospedagem informaram que tiveram um aumento do material procedente do Oriente Médio e de visitantes à procura de conteúdo. Entre eles, destaca-se o Bambuser como uma maneira de fazer streaming de vídeo. Mans Adler, um dos fundadores, informou que tem 15 mil usuários no Egito, a maioria dos quais se registrou antes das eleições de novembro. E acrescentou que há mais de 10 mil vídeos no site que foram feitos na época das eleições, mostrando a atividade nas seções eleitorais, como uma espécie de iniciativa organizada. Depois disso, o grau de atividade se firmou em 800 a 2 mil vídeos por dia, e em seguida voltou a subir vertiginosamente para 10 mil, quando começaram os protestos em massa no Egito no mês passado, relatou. / Tradução de Anna Capovilla