Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A última tentativa

Para quase todos de minha geração, Jean Paul Sartre (1905-1980) legou uma obra literária de que muitos falam mas poucos leram, a começar pelo seu primeiro sucesso – A náusea (1938) – até a obra que o tornou realmente famoso, que não chega a ser um livro, mas opúsculo com a transcrição de uma conferência proferida em 1946: ‘O existencialismo é humanismo’. A palavra existencialismo chegou ao Brasil e ficou conhecida não através de sua obra, mas da marchinha de carnaval Chiquita Bacana (1949), em que o autor, Braguinha, coloca o seguinte verso: ‘Existencialista com muita razão’.

Sua grande força era o carisma intrínseco, que Sartre passou para o jornal que fundou em 1973, o Libération. Em maio de 1968, Paris presenciara a revolta dos universitários que pretendiam mostrar o descontentamento do proletariado e o Libération, de orientação maoísta, seria justamente a voz na mídia dos anseios dessa juventude.

O diário foi seguindo com um corpo de jornalistas invejável, mas o autoritarismo de Serge July, também ele fundador, fez com que cabeças coroadas deixassem o jornal. Agravado pelo fato de July ser um mau administrador, o Libération começou a dar enormes prejuízos. Em 2005, ignorando os anseios do proletariado, o controle do diário foi comprado pelo banqueiro Edouard de Rothschild, que entrou com uma boa cifra de dinheiro novo. Mas o jornal continuou ladeira abaixo.

Em junho do ano passado, July foi demitido e o Libération encerrava uma era. Ao que tudo parecia, seus dias estavam contados, mas surgiu agora uma grande novidade. Com 15 milhões de euros, um grupo de capitalistas vai vitaminar o jornal numa última tentativa para evitar a bancarrota. Nesse grupo, disposto a dar um voto de confiança à sua direção e ao programa editorial, figura Carlo Caracciolo, co-fundador do segundo mais importante jornal italiano, o la Repubblica, e presidente de honra do Gruppo Editoriale L´Espresso.

‘Boa vontade’

Caracciolo colocou 5 milhões de euros de próprio bolso, tornando-se o segundo acionista mais importante, com 33,3% do Libé, enquanto Rothschild ficou com 38,7% após aportar 5,8 milhões de euros.

A recapitalização foi anunciada depois do voto dos jornalistas e demais funcionários do Libé, que aprovaram um novo estatuto: o jornal será transformado numa sociedade anônima, dotado de um conselho fiscal e de uma diretoria executiva. Acima de tudo, a redação renunciou ao seu direito de veto sobre as decisões mais importantes, tal como a de nomeação do diretor-presidente. Os empregados, simbolicamente, subscreverão o aumento de capital com 100 mil euros.

Esse voto da redação foi a condição sine qua non para que Rothschild investisse mais uma vez no jornal. Todavia, o banqueiro francês não queria entrar sozinho na aventura e encontrou em Caracciolo um sócio de peso. ‘Sempre fui apaixonado por jornais’, disse o presidente de honra do Grupo L´Espresso. ‘Agora me aparece a possibilidade de contribuir para a salvação de um com uma história importante como o Libération e o faço de boa vontade.’

Situação concordatária

Duas organizações sindicais – o SNJ (Sindicato Nacional dos Jornalistas) e a CFDT (Confederação Francesa dos Trabalhadores) – saudaram o achegada de Caracciolo. Num comunicado, observam que ele ‘permite entrever uma saída para a crise, já que contrabalança o peso de Edouard de Rothschild’.

A redação jamais viu com bons olhos o banqueiro francês, que havia despedido Serge July. Por isso, a chegada de um homem que se ocupou a vida inteira de jornais foi considerada muito positiva. Agora, o novo diretor Laurent Joffrin tem as mãos livres. Dos 276 postos de trabalho, 76 serão suprimidos. O Libération fechou 2006 com perdas de 12 milhões de euros e há três meses está em situação concordatária. Agora é esperar para ver se o jornal que fez a história recente conseguirá sobreviver.