Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A voz conservadora das Américas

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol), que reúne o patronato da grande mídia das Américas, depois de se insurgir contra o governo da Venezuela, acusando-o de atentar contra a liberdade de expressão – quando, a rigor, ocorre justamente o contrário –, voltou-se recentemente contra o governo de Nestor Kirchner. Danilo Arbilla, ex-presidente da entidade e atual membro consultivo da SIP, andou circulando pela Argentina e apresentou relatório acusando Kirchner de atentar contra a liberdade de imprensa.


O presidente argentino, com muita propriedade e revelando estar bem informado, além de rejeitar a descabida acusação lembrou que Arbilla não tem moral para se arvorar em defensor da liberdade de imprensa, porque foi um servidor incondicional da ditadura uruguaia, que fechou jornais, prendeu e expulsou jornalistas, entre outras barbaridades.


Como a SIP e os seus associados costumam jogar com a falta de memória do povo e mesmo desinformar por intermédio dos seus jornalões, rádios e canais de TV, não custa nada mostrar quem é Arbilla. Com base em notícia já divulgada pela agência Argenpress e pelo jornal uruguaio La Republica, Kirchner lembrou que Arbilla foi nomeado pelo então presidente Juan Maria Bordaberry para o cargo de porta-voz do seu governo.


Quando os militares quebraram a ordem constitucional e cometeram violências contra a imprensa, Arbilla continuou exercendo as mesmas funções na ditadura. Quando Arbilla foi nomeado presidente da SIP, em 2000, vários jornais uruguaios saíram da entidade em protesto. Só continuaram associadas publicações como El País, que também serviu de porta-voz da ditadura, e órgãos de imprensa vinculados à Seita Moon, como Últimas Notícias. Opus Dei e El Observador completaram o sim dado à SIP.


Desvio de dinheiro


No Brasil, nem O Globo, muito menos o Jornal do Brasil, O Estado de S.Paulo ou a Folha de S.Paulo se opuseram à nomeação de Arbilla para o cargo na SIP. Nem o fato de ele ter estado a serviço da ditadura uruguaia foi lembrado em alguma edição. El Mercúrio, no Chile, que, segundo documentos do Departamento de Estado já tornados públicos, recebeu 1,5 milhão de dólares da CIA para ajudar a campanha de desestabilização do governo constitucional de Salvador Allende, teve a mesma posição que os jornais brasileiros na questão Arbilla.


Esses fatos devem ser lembrados especialmente agora, quando a América Latina passa por um momento de definições maiores e a grande potência hegemônica radicaliza seu posicionamento na região. Não é por acaso que a SIP, como tem feito ao longo da história, denuncia governos democráticos, ou que preservam a sua soberania, de "atentarem contra liberdade de imprensa".


Esta mesma SIP não se pronunciou quando jornais venezuelanos associados à entidade, como El Universal, por exemplo, ou canais de TV, como a Globovisión, chegaram a apresentar em seus horóscopos vaticínios do tipo "hoje é um bom dia para matar o Presidente [Chávez]". Isso, para não citar outros exemplos de como a mídia conservadora venezuelana se tornou um partido político, substituindo os dois antigos partidos, o Social Democrata e o Social Cristão, que foram repudiados nas urnas, a partir de 1998, depois de se revezarem no poder por 40 anos.


Jornais e canais de TV que seguem essa linha conservadora têm o respaldo da SIP quando dão grandes espaços a pronunciamentos como o do ex-presidente social-democrata Carlos Andrés Peres (que nem pode voltar à Venezuela pois corre o risco de preso sob acusação de desvio de dinheiro do erário público), dizendo que para tirar Chávez do poder é preciso matá-lo.


Colunistas amestrados


A SIP botou a boca no trombone para denunciar a promulgação da lei de responsabilidade social da mídia venezuelana. O patronato da grande mídia do continente está solidário com os seus correligionários venezuelanos, que de agora em diante terão de responder judicialmente por aberrações do gênero golpista que visam tão-somente desestabilizar o governo Hugo Chávez. Esse tipo de estratégia, vale lembrar, não é nova e foi utilizada, por exemplo, no Chile (1973) e no Brasil (1964).


A última reunião do patronato agrupado na SIP, realizada no Panamá, voltou-se contra os governos argentino e venezuelano – não deixando de mencionar Cuba, como faz habitualmente. Para a SIP, Chávez, Fidel e Kirchner são os "maiores perigos para a imprensa das Américas". Para contrabalançar, afinal não ficava bem silenciar sobre o fato, a SIP relatou que nos Estados Unidos jornalistas estão sendo indiciados por se negarem a revelar suas fontes.


Vale então uma pergunta: qual o jornalista indiciado ou preso pelo governo venezuelano desde a primeira eleição do presidente Hugo Chávez, em 1998? Para quem não sabe, a resposta é nenhum, embora, pelas baterias da SIP e da grande mídia conservadora das Américas, fica parecendo que Chávez manda prender e arrebentar quem se opõe a ele.


As críticas da SIP a Kirchner aparecem praticamente no mesmo momento em que o presidente argentino decide pagar parte da dívida aos credores (30 centavos para cada dólar) e vem sendo catalogado por alguns colunistas amestrados como nacionalista-populista ou adjetivos do gênero.


Caso Kirchner tivesse se enquadrado ao receituário ortodoxo e monetarista do capital financeiro, como fazem outros presidentes latino-americanos, será que a SIP agiria da mesma forma? O que teria a dizer sobre isso, por exemplo, o ex-presidente da SIP, Danilo Arbilla, o uruguaio que serviu a sua ditadura? E certos articulistas que posam de filósofos e têm espaços reservados na mídia conservadora há muitos anos?

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Jornalista