Uma das primeiras vítimas da invasão russa à Crimeia foi a mídia. O Black Sea TV, único canal independente da península, foi fechado na segunda-feira [3/3]. A editora-chefe da emissora, Oleksandra Kvitko, afirmou que um órgão de governo da Crimeia optara por fechá-la alegando a ocorrência de ameaças contra seus jornalistas.
Depois do encerramento, o site da Black Sea TV passou a exibir apenas uma mensagem, na qual lamenta o fato de ser “vítima constante de ataques de DDOs (interrupção do tráfego a um website)” e que espera “restabelecer os serviços em breve”.
Imprensa x Kremlin
A repressão aos meios de comunicação independentes é uma característica do estilo de governo do presidente russo, Vladimir Putin. Durante a preparação para as Olimpíadas de Inverno de Sochi, realizadas em fevereiro, um canal da oposição passou a sofrer ameaças de fechamento depois de fazer uma enquete, na véspera do aniversário dos 70 anos do cerco a Leningrado, perguntando aos telespectadores se a cidade deveria ter se rendido para evitar a morte de milhares de pessoas.
A mídia russa controlada pelo Estado passou por mudanças nos últimos meses, recebendo mais ordens de centralização e controle do que ocorria antes. Em dezembro, Putin nomeou Dimitry Kiselev, apresentador de televisão famoso por suas declarações de cunho homofóbico, para chefiar a Russia Today, uma organização de imprensa local independente do RT (canal em língua inglesa que transmite o ponto de vista da Rússia para o público estrangeiro).
No fim da semana passada, de acordo com uma reportagem da BBC, Kiselev afirmou que a Rússia precisava defender seus “interesses” na Ucrânia de língua russa e que era “impossível não reagir a este desafio”. Em seu ataque ao novo governo da Ucrânia, Kiselev também sugeriu que a população de língua russa na Crimeia estava voltada para líderes em Moscou, e não em Kiev. Em determinado momento, o cenário durante suas declarações incluiu imagens de bandeiras russas e uma manifestação pró-Moscou na Crimeia. Para reforçar a mensagem do Kremlin, uma legenda na tela dizia: “Não entregamos o que é nosso”.
Manipulação de reportagens
Depois da queda do presidente ucraniano Victor Yanukovych , que era aliado de Putin, âncoras de canais estatais russos passaram a sugerir que partidários ao governo interino da Ucrânia teriam se alinhado aos fascistas na Segunda Guerra Mundial e que manifestantes que defendem o Ocidente pertencem, em sua maioria, à extrema direita. Depois de alguns dias, no entanto, a cobertura dos confrontos em Kiev deu lugar ao debate sobre o futuro da Crimeia, república autônoma da Ucrânia com maioria da população de etnia russa (58%, contra 24% de etnia ucraniana). No início da semana, a agência de notícias Reuters reportou que a TV estatal russa havia começado a mostrar cidadãos ucranianos na Crimeia dizendo que não seguiriam ordens de Kiev. Por outro lado, a cobertura ignorava as manifestações contrárias à guerra.
O site LifeNews.ru, tabloide online pró-Kremlin, engrossou o discurso com a manchete “Cidadãos de Odessa pedem a Putin para salvá-los do terror das manifestações”, ilustrando o texto com a imagem de uma mulher em lágrimas. A imprensa russa também mostrou vídeos de “fugitivos da Ucrânia para a Rússia”, quando na verdade as imagens eram de um dia comum numa fronteira polaco-ucraniana. A agência estatal russa ITAR-TASS citou o serviço de fronteira para alegar que havia sinais de uma “catástrofe humanitária”. Um artigo do site americano Daily Beast disse que a mídia controlada pelo Estado russo entrou no modo de “fabricação total da notícia”.
Ainda assim, a opinião pública russa é mais complexa – e até mesmo discordante – do que a imagem pública ultranacionalista que Moscou tenta passar para o mundo. O centro de pesquisa de opinião VTsIOM, mantido pelo Estado, divulgou uma pesquisa em 24/2 em que 73% dos entrevistados se diziam contrários à intervenção da Rússia na crise política na Ucrânia, e 94% não queriam que uma crise acontecesse.