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A propaganda com medo da lei
O anúncio dos publicitários e dos anunciantes publicado nos grandes jornais é uma reação aos projetos de lei tramitando no Congresso para por limites na farra da propaganda. Reação de quem se acha acuado e percebe que o tempo dos privilégios está acabando.
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Não fossem ações como as do Instituto Alana, com o seu projeto ‘Criança e Consumo’, por exemplo, e os publicitários jamais deixariam de lado o atendimento de suas ricas contas para preparar e publicar um texto incrivelmente enganoso, aliás como muitas de suas peças publicitárias.
Depois de exaltarem a importância da propaganda na disputa pelo mercado chegam a uma conclusão inédita: ‘a grande maioria das pessoas gosta de propaganda’. Não dizem de onde tiraram tal conclusão. De que pesquisa saíram os dados para sustentar afirmativa tão cabal. É só mais um slogan, tão a gosto do meio.
Mas não ficam por aí. No final do texto está a resposta ao Instituto Alana e aos parlamentares comprometidos com uma legislação mais moderna para o setor. Diz o anúncio: ‘E quando alguém não gosta (da propaganda), faz o óbvio: muda de canal na hora do intervalo, troca a estação de rádio, deixa de ler o anúncio publicado no jornal’. Simples, não? Ou simplista demais?
Claro que quem escreveu esse texto sabe que isso não é verdade. Eles mesmos produzem os merchandisings que campeiam à solta nas novelas, programas de auditório, transmissões esportivas e são veiculados de forma a impossibilitar a tal mudança de canal na hora do anúncio. Sabem também que ninguém vai girar o botão do rádio quando começa um comercial que o ouvinte, obviamente, nem sabe ainda do que se trata. E é difícil fechar os olhos para uma página inteira de jornal como essa publicada sob o patrocínio das entidades das agências de propaganda e dos anunciantes.
Afinal a missão desses profissionais é fazer de tudo para que o telespectador, o ouvinte e o leitor não desgrudem da mensagem e introjetem o seu conteúdo. É um contra-senso pedir para que eles fujam de algo embalado pelos publicitários para conquistá-los. Em novela recente, em meio à fantasia, a madame entra no carro novo sob o olhar de cobiça da empregada e ressalta, entre as várias qualidades do veículo, o fato de ele ter o piso alto, ficando imune às enchentes. Focalizava-se com destaque a marca do carro e passava-se a mensagem de que, com ele, o problema social das enchentes estaria resolvido. Individualmente, para quem pudesse comprar o tal carro. Aos demais a lama ou o afogamento.
Mas voltando ao anúncio publicado nos jornais. A frase final, referindo-se a possibilidade de mudar de canal, de emissora ou de página, é primorosa: ‘É impressão nossa ou isso é o direito de escolha levado a sério?’. Direito de escolha? Escolher entre o que? Entre emissoras que transmitem programas iguais, veiculam os mesmos anúncios e não dão nenhuma alternativa aos hábitos consumistas, individualistas e anti-sociais? E mais, que violam a lei sem cerimônia ao ultrapassar o limite máximo de 25% da programação permitidos para propaganda no rádio e na TV. Com a conivência silenciosa de agências e anunciantes.
Quando dirigida às crianças, os efeitos da publicidade tornam-se ainda mais perversos. A presidente do Instituto Alana, Ana Lucia Vilela, conta que até em áreas carentes de cidades como São Paulo já é possível perceber esse fenômeno. A partir de um projeto social desenvolvido pela instituição na zona leste da cidade constatou-se que ‘crianças cujas famílias dependem de cestas básicas não saem de casa sem passar batom. Que acham que a maior felicidade do mundo é ter cabelos longos e loiros iguais aos da Barbie. Meninas que vestem micro-saias e ficam grávidas na adolescência. Meninos que insultam mulheres e tomam cerveja. Mães que, depois de muito choro e muita insistência dos filhos, gastam todo seu dinheiro para comprar um boneco Power Ranger. Filhos que depois de ganhar um Power Ranger, brincam dois dias, abandonam o boneco e começam a pedir a próxima novidade anunciada na televisão. Ou ainda garotos que falam que agora sim os pais podem comprar tudo o que querem porque determinado banco oferece crédito acompanhado de alguns bonequinhos de brinde. Crianças e adolescentes brasileiros repetindo diariamente o nome de inúmeras marcas, que algumas vezes estão entre as dez primeiras palavras de seu recém-formado vocabulário’.
Diz ainda que ‘do Rio Grande do Sul ao Amapá, das periferias dos grandes centros urbanos ao interior da Bahia, eles querem se vestir e comer da mesma forma. Querem marcas – usar o tênis Nike, comer Fandangos e ter a mochila da Hello Kitty. Preferem não ir à praia ou ao campo porque sabem que lá não encontrarão tevê ou videogame. Trocam o suco de mexerica por Coca-Cola, e arroz, feijão e couve, por Big Mac com batata frita’.
Para Ana Lucia ‘os pais não são os únicos responsáveis pelos filhos que não param de pedir produtos vistos na tevê, que são obesos, sexualmente precoces ou com comportamentos violentos. A responsabilidade maior está nas empresas e agências de publicidade que apostam no mercado infantil, procurando a vulnerabilidade de cada faixa etária da infância e adolescência para criar consumidores fiéis: as crianças de consumo’.
O anúncio dos publicitários e dos anunciantes publicado nos grandes jornais é uma reação à denúncias como essa, aos projetos de lei tramitando no Congresso para por limites nessa farra e ao aumento das pesquisas científicas mostrando os males da propaganda. Reação de quem se acha acuado e percebe que o tempo dos privilégios está acabando.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de ‘A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão’ (Summus Editorial).
POSICIONAMENTO
Carta Maior amplia leque de parcerias nacionais e internacionais com o objetivo de qualificar ainda mais a nossa oferta de reportagens e análises e estreitar nossas relações com outras publicações com as quais compartilhamos valores e princípios. Além do intercâmbio de informações, essas parcerias aproximam projetos que estão sendo implementados em diferentes países. Nas próximas semanas, deveremos anunciar novas parcerias. A idéia é construir um portal que reúna diferentes correntes do pensamento da esquerda mundial e debata os principais temas contemporâneos.
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Atualmente, a Carta Maior é reproduzida por inúmeros veículos informativos de entidades e organizações sociais e acadêmicas. Em 2008, firmamos nossas primeiras parcerias para intercâmbio de conteúdo com as revistas New Left Review e Sin Permiso, com o site do Instituto Humanitas, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos/RS) e com o Jornal de Resenhas. Agora acertamos parcerias idênticas com as seguintes publicações: Punto Final (Chile), Agência Uruguaia de Notícias, Rebelión, Esquerda.Net (Portugal), Socialismo ou Barbárie (Argentina) e Diário Liberdade (Galícia). Nas próximas semanas, deveremos anunciar novas parcerias. A idéia é construir um portal que reúna diferentes correntes do pensamento da esquerda mundial e debata os principais temas contemporâneos.
Além de ampliar o leque de informações e análises de qualidade, essas parcerias possibilitam que compartilhemos o acervo que construímos desde 2001 nas áreas de política, economia, direitos humanos, meio ambiente e movimentos sociais, entre outros temas. A Carta Maior possui hoje provavelmente o maior acervo de vídeo e texto relativo ao processo FSM. A maior parte destes textos está publicada em português, inglês e espanhol. Trata-se de um patrimônio que retrata parte do acúmulo da esquerda internacional nos últimos anos. As publicações com as quais estamos firmando parcerias possuem também acervos importantíssimos nestas e em outras áreas. Mas o mais importante é que elas aproximam projetos que estão sendo implementados em diferentes países. E, sobretudo, aproximam povos.
Temos a convicção de que o nosso trabalho não se restringe à esfera nacional. O novo mapa político na América Latina abriu novos e desafiadores espaços. Um verdadeiro processo de integração latino-americana passa, entre outras coisas, pela construção de uma rede de comunicação que ajude a diminuir as distâncias entre nossos povos e culturas e mostre a natureza comum de muitos dos problemas sociais que caracterizam nosso continente. Mas nosso mundo não se limita tampouco à América Latina. O planeta Terra é a nossa casa e um mundo mais justo, livre e generoso é o horizonte que perseguimos. Convidamos a todos nossos leitores e leitoras que acompanhem o trabalho de nossos parceiros. Nossa caminhada é a mesma. A seguir, os endereços desses diferentes caminhos:
Agência Uruguaia de Notícias
Diário Liberdade
Esquerda.Net
Instituto Humanitas
Jornal de Resenhas
New Left Review
Punto Final
Rebelión
Sin Permiso
Socialismo ou Barbárie
REGULAÇÃO
Velhas e novas formas de ameaças à liberdade de expressão
Ao contrário do que afirma a grande imprensa, as ameaças à liberdade de expressão no país não vêm das iniciativas de regulação da mídia. No Brasil, é o sistema de concessões e renovação de outorgas de rádio e TV um dos principais mecanismos de concentração da propriedade da mídia e ausência da pluralidade de vozes nos meios de comunicação. Por outro lado, as verbas governamentais para publicidade se transformaram numa nova maneira de influenciar a cobertura dos veículos impressos.
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No entanto, em um outro seminário, também realizado em São Paulo, esta semana, desta vez no Memorial da América Latina, o debate sobre liberdade de expressão ganhou outros contornos. E deixou claro que os limites e supostas ameaças a este direito fundamental em nosso país são de outra ordem e têm raízes muito mais profundas do que querem nos fazer crer os grandes empresários da comunicação.
Numa palestra elucidadora, o pesquisador e ex-professor da Universidade de Brasília, Venício Lima, apontou o sistema de concessões e renovação das outorgas de rádio e televisão como um lócus privilegiado para a manutenção de interesses privados – disfarçados de públicos –, que na prática caracteriza uma das maiores ameaças à liberdade de expressão no país. Segundo Lima, o funcionamento das concessões de radiodifusão no Brasil gerou um fenômeno agora conhecido por ‘coronelismo eletrônico’, só que em vez do controle da terra, como acontecia na República Velha, hoje é o controle dos meios de comunicação de massa que leva seus proprietários ao controle político de diferentes regiões do país.
‘Não é novidade que os políticos locais tenham vínculos com a mídia, não apenas no nordeste. São governadores, deputados estaduais, senadores, que formam verdadeiras oligarquias regionais. Os nomes também são conhecidos: Sarney, Garibaldi, Collor, Magalhaes, Jereissati etc’, conta Venício Lima. ‘A moeda de troca continua sendo o voto, mas agora com base no controle da informação e na influência da opinião pública. A recompensa é antecipada aos coronéis pelas outorgas de rádio e TV, que depois são renovadas automaticamente’, explica.
Segundo o pesquisador, há uma série de normas e procedimentos legais das concessões que têm permitido e perpetuado essa situação, ameaçadora para a liberdade de expressão do conjunto da população brasileira. Uma delas, prevista na Constituição Federal, cria assimetrias em relação aos demais concessionários de serviços públicos. Ao contrário de outras áreas, onde o poder concedente pode cancelar contratos de concessão caso o serviço não esteja sendo cumprido a contento, na radiodifusão, para uma concessão não ser renovada são necessários dois quintos de votos nominais, ou seja, abertos, do Congresso Nacional.
‘Diante do poder da mídia, é improvável que um processo de não renovação chegue a ser votado. Menos provável ainda que uma concessão não seja renovada por quem depende da televisão para sua sobrevivência política. Não há na história do Brasil um projeto de não renovação que tenha sido sequer apresentado no Congresso’, afirma. ‘Já o cancelamento de uma concessão durante sua vigência só ocorre com decisão judicial’, acrescenta.
Os critérios para definição dos concessionários de rádio e televisão também não têm relação com o que a legislação brasileira estabelece para o serviço de radiodifusão. Os princípios que devem orientar a programação das emissoras, por exemplo, previstos no Art.221 da Constituição, não são usados como critério. Tão pouco o respeito à complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal de comunicação e à regra que proíbe o monopólio da mídia.
‘Sem falar dos casos em que os próprios representantes do coronelismo eletrônico votam em benefício próprio. Como a Constituição compartilha entre o Executivo e o Congresso Nacional o poder de outorga, há casos de senadores e deputados votando na renovação de suas próprias concessões’, critica Venício Lima. ‘O resultado é a formação de um sistema de radiodifusão protagonizado pela concentração privada, e onde há uma clara assimetria na disputa eleitoral entre aqueles que usam as concessões em benefício próprio e aqueles que não têm acesso a este serviço público’, completa.
Independência editorial
Se por um lado o sistema de outorgas de rádio de TV historicamente tem contribuído para limitar a liberdade de expressão no país, o seminário no Memorial chamou a atenção para uma nova ferramenta que, de forma indireta, pode trazer conseqüências na linha editorial dos veículos, sobretudo dos impressos: a publicidade governamental.
Para o jornalista Eugênio Bucci, professor da Universidade de São Paulo e articulista do jornal O Estado de S.Paulo, a influência do poder político no funcionamento dos meios de comunicação através da publicidade oficial tem crescido nos últimos anos. Levantamento do Grupo de Mídia São Paulo, que faz uma avaliação anual do tamanho do mercado anunciante no Brasil, mostrou que em 2008 foram gastos R$ 23 bilhões em publicidade no país. O maior anunciante são das Casas Bahia, com R$ 3 bilhões. Somados, todos os governos municipais, estaduais e federal totalizaram R$ 2,7 bilhões. Somente o governo de São Paulo saltou de R$ 59 milhões de publicidade oficial em 2007 para R$ 158 milhões em 2008. Os Ministérios da Educação, do Turismo e da Saúde, juntos, gastaram R$ 628 milhões no mesmo ano.
‘Por meio da verba governamental, interesses dos governos adquirem uma entrada privilegiada nas redações dos jornais, influenciando na pauta e minando a liberdade de imprensa. Tenho dúvidas sobre a necessidade e pertinência do Poder Executivo ser um anunciante tão grande’, questiona Bucci. ‘Na prática, os anúncios são a continuação da propaganda eleitoral fora do período de campanha. Não é à toa que são feitas pelas mesmas equipes, com a mesma linguagem’, acredita.
Com este tipo de política, na opinião do jornalista, abre-se espaço para um tipo de pressão do governo sobre jornais de porte médio ou pequeno, onde a presença do anúncio público pode representar a diferença entre a viabilidade econômica e a falência. ‘A força de pressão que o controlador da verba pública tem sobre essas publicações é imensa. Direta ou indiretamente as oligarquias que controlam as verbas públicas acabam interferindo na pauta desses jornais’, afirma.
Bucci admite que há uma chantagem mútua neste processo, onde muitos veículos também podem pressionar governos por mais anúncios em troca de uma cobertura favorável ou não às administrações públicas. ‘É um ecossistema. Este tipo de pressão existe de um lado e de outro e setores do mercado e do Estado se associam nesta simbiose’, diz.
Um caminho apontado no seminário para garantir a independência editorial dos veículos de pequeno e médio porte foi a criação de linhas de financiamento e fomento público para órgãos de comunicação, prática bastante difundida nos países europeus e também nos Estados Unidos e que ainda não se tornou realidade no Brasil.
A convidada internacional do seminário, a jornalista Liza Shepard, ombudsman da Rádio Pública Nacional (NPR) dos Estados Unidos, concordou. Com a crise econômica que atravessa o país e a queda nas vendas dos jornais impressos diante do boom da internet, pela primeira vez algumas empresas americanas privadas de comunicação começam a pensar em ajuda governamental.
‘Vivemos um tempo de instabilidade e revolução na mídia. Se o governo ajuda a indústria bélica, automobilística, porque não pode fazer o mesmo com a indústria de notícias? É algo que ainda está em discussão’, conta.
Hoje, no entanto, a independência editorial da NPR é garantida em parte por sua forma de financiamento. Somente 2% dos 150 milhões de dólares de seu orçamento anual vêm do governo dos Estados Unidos. A NPR não é uma emissora, e sim uma produtora de conteúdo para rádios públicas que tira a maior parte de seu sustento da venda de programação para 900 emissoras em todo o país. Sua programação atinge 34 milhões de pessoas, das quais 10%, todos os anos, doam recursos para a sustentação das rádios.
‘Pode o governo fazer parte do financiamento e não controlar nada editorialmente? Sim. É assim que funciona nos EUA. A NPR é um exemplo positivo de como uma mídia pública pode operar de forma independente de um governo’, conclui Liza.
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