Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Agitação no mundo do jornalismo digital norte-americano

Para muitos jornalistas, não há ironia maior do que Arianna Huffington, a publisher homônima do Huffignton Post, demitindo-se de seu cargo na empresa que fundou há 11 anos para dedicar mais tempo a uma recém-criada empresa de bem-estar cujo foco é sugerir que devemos dormir mais. O Huffington Post construiu seu sucesso ao participar da aceleração do ciclo de notícias 24 horas por dia, enchendo páginas com colaborações não remuneradas e, de uma maneira geral, contribuindo para um ambiente que os outros publishers não achavam nem um pouco relaxante. Mesmo usando um travesseiro especial.

Quando o Huffington Post foi lançado, no dia 9 de maio de 2005,  ele encontrou a indústria midiática em meio a uma gigantesca soneca coletiva. Por mais difícil que seja imaginá-lo hoje, tratava-se de um ano em que as principais organizações jornalísticas tinham motivos para acreditar que haveria um futuro para novos sites financiados pela publicidade. O futuro parecia mais promissor do que o fora nos cinco anos antecedentes. De uma hora para a outra, o Huffington Post surgia trazendo consigo uma abordagem que empurrava a prática digital para muito além do que a maioria das organizações jornalísticas progressistas estava preparada para fazer.

No Guardian, ajustamos nosso site de opiniões “Comment is Free” numa reação ao óbvio e imediato sucesso do Huffington Post ao quebrar os padrões dos comentários ao vivo. Até tínhamos uma foto de Arianna Huffington fixada à parede para perguntar, apenas parcialmente de forma satírica, “o que faria Arianna?”.

A opção de Arianna Huffington por passar mais tempo com seus fones de ouvido não foi o único adeus nostálgico da semana para a mídia de Nova York, pois na quarta-feira (9/08) à noite, a equipe do site Gawker deu uma festa antecipando-se à ação de calúnia movida pelo lutador de luta livre e apresentador de televisão Hulk Hogan e financiada pelo bilionário Peter Thiel, do Vale do Silício, que irá acontecer na terça-feira. Assim como Arianna Huffington, Nick Denton, o inglês que fundou o Gawker, é uma figura central na transformação do moderno jornalismo norte-americano. Fundado em 2002, o site Gawker trouxe uma sensibilidade estrangeira que foi levada muito a sério pelo mundo editorial de Nova York.

A publicidade desmoronou

Há muita gente, inclusive trabalhando no reino digital, que viu ambas as empresas levar as fronteiras da divulgação em direções indesejáveis. Peter Thiel foi uma dessas pessoas, e seu desejo de vingança pessoal em relação ao Gawker aumentou com a publicação de um texto discutindo a sua sexualidade. As pessoas que são críticas ao Gawker tendem a ser as que mais são afetadas por seu jornalismo. Em relação ao Huffington Post, os críticos tendem a ser aqueles que são afetados por seu modelo de negócios.

Os parceiros que fundaram o Huffington Post – Jonah Peretti, Ken Lerer (que também criou o BuzzFeed) e, por um breve período, o finado blogueiro de direita – sabiam que para conseguir um nível adequado na web teriam que publicar muito mais, mas a um custo muito menor. Em consequência disso, o Huffington Post tornou-se famoso por ser a plataforma que não pagava pelo trabalho daqueles que escreviam. Por outro lado, destacava o fato de que existia um número muito maior de pessoas dispostas a escrever por uma remuneração baixa ou nula para “aparecer” num veículo global do que o número daquelas que exigiam pagamento.

É errado pensar que o Gawker e o Huffington Post demoliram parte de uma nobre indústria que, sem eles, poderia ter acabado encontrando o caminho correto para a prosperidade e a prática justa em meio ao pântano digital . Se o Gawker e o Huffington Post não tivessem vindo quando vieram, outra coisa qualquer teria vindo. E poderia dizer-se que muitas coisas melhores surgiram posteriormente com eles. Energia e investimento precisavam abrir caminho para o jornalismo digital em meados da primeira década do século e as instituições respeitáveis precisavam ser levadas a compreender como fazer o jornalismo funcionar num ambiente que havia mudado.

Uma questão que atualmente se coloca para o jornalismo é refletir sobre como sustentar um mercado de onde irão surgir os próximos Nick Dentons e Arianna Huffingtons. Peter Thiel praticamente fechou o Gawker e a AOL apoderou-se do Huffington Post. Todas as empresas jornalísticas, novas e velhas, estão repensando se conseguem subsistir como um serviço gratuito num mercado onde a publicidade desmoronou. O Facebook e o Snapchat ganham mais atenção dos leitores e dos anunciantes do que dos publishers. Vêm insistindo para que paguemos pelo jornalismo, mais ou menos da mesma maneira que insistem em para que não usemos combustíveis fósseis: do ponto de vista moral, são argumentos sólidos, mas as soluções para o “como” são escassas e pouco promissoras, do ponto de vista econômico.

Pelo menos Arianna Huffington não vai mais perder o sono com esse tipo de problema.

***

Emily Bell é jornalista, professora de Jornalismo e diretora do Centro Tow para Jornalismo Digital

***

Aos nossos leitores: Se você gostou deste artigo e valoriza a diversidade de abordagens nos textos publicados, contribua para a sobrevivência do Observatório da Imprensa fazendo uma doação no site Kickante.