Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Ainda bem que o sol e a lua se entendem

Em Um lugar ao sol, o diretor pernambucano Gabriel Mascaro apresenta o desafio com a quebra de alguns paradigmas de filmes brasileiros e ainda sim, apimentar o mundo da high society, tão pouco explorado. O longa-metragem teve o embasamento de um livro que narra pessoas influentes na sociedade brasileira. Nele estão catalogados depoimentos de 125 proprietários de coberturas de luxo no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, onde, desse aglomerado, apenas nove moradores concordaram em dar depoimentos para o documentário.

Um lugar ao sol permite um debate sobre visibilidade, poder, insegurança, status e a presença, cada vez mais forte, de uma paisagem vertical. Além disso, procura investigar o momento em que a busca por esse tipo de moradia deixa de ser apenas realização de um sonho para ser uma necessidade, vendida diariamente pelas construtoras.

O poder de ter money, desejo e reconhecimento se entrelaça com a realidade de uma classe que no filme se representa nas pessoas ouvidas – sorrisos e comentários chegam a causar azia. ‘É muito bom estar por cima e quem não gostaria de ter essa visão privilegiada, sem contar que me afasto da violência, do barulho, e do caos’; ‘Bonito mesmo é ver as balas coloridas’. Chega a ser engraçado. Desgraçado é ver o ser humano ter que se proteger dos tiros de fuzis que, diferente das balinhas coloridas, causam cicatrizes eternas. Onde está o sentido dessa comparação? Nem mesmo um sal de frutas para aliviar tanto queimor. Hahaha…

Quem está mais alto é o morador de favela

Chega a ser engraçado ouvir um personagem dizer que ‘frequenta os melhores hotéis e restaurantes…’, ver também uma senhora cujo amigo fiel é um animalzinho empalhado e seu nome é Bush. Seu filho remete a uma versão do burguês industrializado. Ouvir um rapaz dizer que ‘as pessoas me chamam de playboy, mas meus pais trabalharam muito para eu estar aqui’ e a uma mãe chamar o filho já adulto de adolescente são cenas que funcionam muito mais como uma ficção bizarra e cômica do que algo advindo de alguma relação mais complexa e ponderada com o real. Na ficção, tudo bem; no documentário, nem tanto: ainda que a ponte entre ambos seja uma linha ou ainda inexistentes de vários pontos de vista, no que tange à ética, ela me parece bastante clara.

No documentário, Mascaro acaba atribuindo aos entrevistados contribuição com a desigualdade social. Precauções foram tomadas para proteção dessas pessoas; uma delas foi o direito de não terem seus nomes divulgados, exigência feita pelos entrevistados. Mas, valho-me aqui, do seguinte ditado: ‘Uma imagem vale mais que mil palavras’. E quando essas imagens têm conteúdos preocupantes, já se viu.

Para Mascaro, residir em coberturas é principalmente uma questão de classes. Mas, o maior desconforto do discurso de classes dentro da arte é tentar associar espaço e posição social. Afinal, de que elite Gabriel Mascaro está falando? No longa-metragem, não existe a percepção de que em grande parte das cidades brasileiras, quem está mais alto, definitivamente, é o morador de favela, o que por si só torna mais difícil entender a fragilidade do tema, com a associação de espaço e posição social. Assim, logo seu objetivo estaria desconstruído. Afinal, não poderíamos chamar de elites moradores residentes em altas favelas?

Risadas, indignação, subjetividade…

É certo, sempre que o vídeo for exibido cada telespectador terá sua relação subjetiva, política e ética com as possíveis falas, ressalto aqui, nenhum incômodo ao ver ridicularizadas pessoas como o dono de uma famosa boate de prostituição luxuosa, homem que não tem respeito algum ao fazer analogias, com as diferentes classes sociais, comparando a terceira classe de um avião com uma senzala e expondo assim suas ideias, com orgulho do que elas representam.

Deslizando-me com veemência nas imagens feitas nas praias, logo sinto que a leveza e a liberdade são privadas por alguns instantes. As sombras projetadas por oito edifícios passam a ideia de autoridade e poder. Se no momento for considerável uma analogia, o gigante Golias e o pequeno David, representaria bem esse contexto.

Entre risadas, indignação, subjetividade… Saí de Um lugar ao sol relembrando questões problemáticas da violência urbana, o que não é novidade, e sim, um (clichê), e em meio a tantas falas, não restou momento que permitisse uma reflexão mais aprofundada do que realmente se queria com o produto.

De tudo isso, fica uma certeza. Bom seria que as pessoas aprendessem a exercitar o que diz um trechinho da música ‘O lugar ao sol’ do Charlie Brown Jr: ‘Nossas vidas, nossos sonhos têm o mesmo valor’. Se assim o fizessem, o sol, brilharia bem mais forte.

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Estudante de pós-graduação em Jornalismo, Recife, PE