O Estado de S. Paulo, 17/4
Antonio Gonçalves Filho
Watson, um fotógrafo reverente ao passado
Olhando as fotos do passado, Albert Watson diz que não se envergonha de nenhuma delas, mas evitou organizar seu livro UFO (Alles Trade, 440 páginas, R$ 200) em ordem cronológica e ser ‘fiel demais’ aos trabalhos mais antigos. Talvez os anos 1970 e 1980 não tenham sido o seu ‘período áureo’, admite, mas ao ver uma antiga foto (de 1979) da atriz e modelo Isabelle Weingarten, ex-namorada do cineasta alemão Wim Wenders, surpreendeu-se com a qualidade das imagens. Algo aconteceu em 1981. Desde então, ele se tornou ‘um fotógrafo melhor’, observa. ‘Não quero dizer com isso que sou menos espontâneo, mas passei a entender o que significa, afinal, ser um fotógrafo de moda.’ Nos anos 1990, nota Watson, seu estilo mudou e ele se voltou para a criação do que chama ‘retratos de moda’, ou seja, menos dependentes da parafernália visual que cercava suas fotos há 30 anos e mais concentrados na personalidade das modelos.
Até porque resta pouco de alta-costura hoje em dia – Watson fotografava casacos de Yves Saint Laurent em 1976 avaliados em US$ 120 mil -, o fotógrafo elege seu foco não com base nas roupas, mas nas mulheres que as vestem. ‘Naquela época não tínhamos muito tempo para fotografar roupas caras como essas e tudo era feito de maneira muito rápida, o que me obrigava a trocar o lado emocional pela agilidade.’ A visão monocular, garante, não atrapalhava o processo em fotos que exigiam do profissional resposta imediata ao estímulo cenográfico – a noção de profundidade de campo fica um pouco perturbada em pessoas com essa deficiência. ‘Não sinto que minha visão monocular tenha limitado ou prejudicado a sensação tridimensional, porque já nasci cego do olho esquerdo e não sei como é a esteropsia (visão binocular)’, resume. ‘Além do mais, as pessoas sempre fecham um olho para fotografar e hoje se trabalha muito com o computador, cuja tela é plana e tem pouca profundidade.’
Há, no entanto, uma preferência de Watson por fotos em que personagem e cenário se fundem como nas telas de Morandi. A imagem de Sade Adu em frente do Empire State (foto menor nesta página), que torna equivalentes os corpos do edifício e o da cantora, é um exemplo disso. A ideia da composição remete às pinturas renascentistas do Quattrocento, em que a competição entre homem e arquitetura não dá vitória ao primeiro. ‘Na verdade, não pensei em Piero della Francesca quando fotografei Sade, mas bem poderia ter pensado, pois a ideia era mesmo tratar de um mito limitado pela monumentalidade da arquitetura.’
Watson estava, então, dirigindo um vídeo com a nigeriana intérprete de Smooth Operator, adorada no Reino Unido. ‘Foi em 1993 e ela estava lançando Cherish the Day, que fala de alguém que rejeita o céu para ficar ao lado da pessoa que ama, alguém que valoriza as coisas terrenas’, lembra o fotógrafo. ‘Aí me ocorreu destacar a beleza do Empire State como equivalente à da vastidão do céu que parece desabar sobre a Terra, mas que nos dá uma alegria imensa’, diz. Foram 17 tomadas de cena até chegar à final. A utilização do preto e branco foi apenas um recurso formal sem muita elaboração filosófica. ‘A espontaneidade é tudo nessa hora, pois se você analisa demais, agoniza.’
Nova York é um território bastante familiar para Watson. Ele fixou residência nos EUA em 1970. Casado com a mesma mulher desde 1968 – uma raridade entre fotógrafos que lidam com modelos lindas -, Watson diz que não se deixa impressionar por celebridades – e ele já fotografou desde o casamento do príncipe Andrew com Sarah Ferguson até um cão buscando um graveto em Forte dei Marmi, na Itália, uma das fotos mais bonitas de UFO, passando pela rainha da Inglaterra e o presidente Clinton.
‘Sabe, tive uma infância normalíssima, filho de um professor de educação física que também era um boxeador, e morávamos numa pequena cidade de mineiros na Escócia’, conta Watson, que está expondo desde março na Fotografiska de Estocolmo. Desde que fotografou Hitchcock para a Harper’s Bazaar, o fotógrafo já trabalhou inúmeras vezes em campanhas cinematográficas – são deles os pôsteres dos filmes Kill Bill, Memórias de Uma Gueixa e O Código Da Vinci. ‘Além de fotografia, estudei design no Duncan of Jordanstone College of Art and Design, o que me possibilitou explorar meus conhecimentos na área ao desenvolver campanhas publicitárias’ (e ele fez muitas delas para a Gap e Chanel, entre outras grifes). ‘Meus filmes, inicialmente, eram um tanto ingênuos, mas depois melhoraram.’
Desde 1998, quando fez o livro Maroc (Rizzoli), com paisagens, rostos e interiores do Marrocos, onde tem uma casa em Marrakesh, Watson vem explorando cada vez mais seu lado Ansel Adams. ‘Embora fosse uma encomenda do Ministério de Turismo, acho que saiu um volume bem bonito.’ E um tanto nostálgico. De Casablanca ao deserto, ele fotografou tudo como se fosse o tradutor visual das imagens criadas pelo escritor americano Paul Bowles em seus livros. ‘As pinturas que Matisse fez no Marrocos eram inspiradoras, mas pensava mesmo no deslocado Bowles tentando se adaptar a um país tão diferente como o Marrocos.’
Watson gosta de aventura. Tem sempre um fotógrafo em mente quando parte para países dos quais sabe pouca coisa ou nada: o suíço Robert Frank. ‘Sou da velha escola, a de Rodchenko e Frank, passando por Brassaï’, revela. ‘Acho que eles têm ainda muito a ensinar às novas gerações.’ E a ele também, acrescenta, comentando a influência do último no uso da luz de suas composições em preto e branco. Exemplo disso é o retrato do ator Matt Dillon (foto maior desta página), feito em 1995 em Nova York para a Details, no ano em que filmava Disposta a Tudo (To Die For) com Nicole Kidman.