Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ameaças à mídia prejudicam imparcialidade

Em 20 anos de jornalismo, Majdi Arabeed, proprietário e editor da estação de rádio al-Hurriya, na cidade de Gaza, teve como arma apenas sua voz. ‘Agora, eu tenho um fuzil AK-47’, revela. Arabeed vem recebendo ameaças de morte por e-mail e telefone por parte de pessoas que afirmam ser do Hamas, grupo militante islâmico que atualmente controla o governo palestino. Com medo, o editor suspendeu as transmissões de sua rádio em maio, comprou uma arma e contratou dois seguranças. Em junho, a programação voltou ao ar, mas sem fazer nenhuma referência ao Hamas.

Classificado como organização terrorista pelos EUA, União Européia e Israel, o Hamas obteve o controle do governo depois de vencer as eleições parlamentares de janeiro de 2006. A vitória do grupo constituiu uma derrota para o Fatah, facção que controlou a Autoridade Palestina por 12 anos.

Nos meses antecedentes à última incursão militar de Israel em Gaza, simpatizantes do Fatah e do Hamas protagonizaram conflitos que deixaram mais de 20 pessoas mortas e diversos feridos. Os dois grupos colocaram de lado suas diferenças para se opor à incursão, mas os palestinos acreditam que a rivalidade retornará quando os militares israelenses deixarem o local. ‘Não acredito que isto terminará com os problemas entre os dois partidos’, opina Adli Sadiq, colunista do jornal afiliado ao Fatah al-Hayat al-Jadida.

Mídia ameaçada

Arabeed e outros jornalistas palestinos observam que o Hamas está tentando assumir o controle da cobertura da mídia. Empresas de notícias como a al-Hurriya foram ameaçadas e tiveram de interromper sua cobertura jornalística. Colunistas, com medo, deixaram de escrever.

Segundo informou Arabeed à ONG Repórteres Sem Fronteiras, as táticas de intimidação do grupo incluem ameaças de morte a jornalistas que trabalham em empresas críticas a ele e invasões violentas a emissoras de rádio e de televisão por homens armados.

Hamas nega envolvimento

Ghazi Hamid, porta-voz do governo controlado pelo Hamas, diz que as ameaças a jornalistas são trabalho de ‘baderneiros’, e não de membros do partido. Segundo Hamid, ex-editor do semanário do Hamas al-Risala, o grupo apóia uma imprensa livre.

Lynn Teheni, da RSF, acredita que mesmo que o governo do Hamas não esteja diretamente envolvido na intimidação à imprensa, ele não tem controle sobre as gangues que ameaçam os jornalistas. Arabeed recebeu mais de 70 ameaças em sua secretária eletrônica em um único dia. Dos 32 funcionários de sua rádio, quatro já foram ameaçados de morte. Em 20 anos de cobertura do conflito, Arabeed foi baleado nove vezes. ‘Nunca imaginei que a próxima bala viria de um palestino’, desabafa.

Muhammad Dahody, diretor da TV Palestina, conta que recebeu ameaças depois que o porta-voz do Hamas Sami Abu Zuhri acusou a emissora de incentivar a guerra civil, em uma entrevista transmitida em 22/5. No começo de maio, Dahody reuniu os 57 repórteres da emissora e avisou-lhes: ‘A primeira regra do jornalismo é se manter vivo. Por isso, sejam imparciais em sua cobertura’. Em junho, o escritório da TV em Khan Yunis foi invadido por militantes. Mesmo assim, Dahody não interrompeu suas transmissões. A TV Palestina é um braço do Ministério da Informação – que agora é administrado pelo Hamas. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, líder do Fatah, foi aconselhado a não se envolver na situação.

Imprensa parcial

A mídia local não tem tradição de independência. Antes de a Autoridade Palestina ter se estabelecido, em 1994, os veículos de comunicação eram sujeitos à censura de Israel. Quando o líder palestino – e do Fatah – Yasser Arafat retornou do exílio, depois do acordo de paz de Oslo, ele usou veículos estatais, como a TV Palestina, para influenciar a cobertura jornalística. Vários jornalistas e dissidentes que criticaram seu governo ou acordos com Israel foram presos. Em 2004, Arafat morreu. Por mais de uma década, a mídia palestina foi dominada pelo Fatah, observa Basem Ezbidi, professor de ciências políticas da Universidade Birzeit, na Cisjordânia.

De acordo com o Ministério da Informação, há 20 emissoras de rádio, 19 jornais e 33 emissoras de televisão no Estado de Israel. Entretanto, o público continua sem saber em qual acreditar. Mahmud al-Hozandar, dono de um restaurante na cidade de Gaza, aconselha ouvir os dois lados: a rádio al-Hurriya, do Fatah, e a al-Aqsa, afiliada ao Hamas. ‘É a única maneira de saber a verdade. Não há mídia independente’, conclui. Informações de Matthew Gutman [USA Today, 7/6/06].