A agência de notícias Associated Press anunciou, na quarta-feira (22/1), que não trabalhará mais com o fotógrafo mexicano Narciso Contreras, que atuava como freelancer, depois que ele assumiu ter alterado digitalmente uma foto tirada durante a cobertura da guerra na Síria, em setembro de 2013.
Na ocasião, Contreras estava acompanhado de um colega cinegrafista, também a serviço da AP. Durante uma troca de tiros entre combatentes rebeldes e as forças do governo na aldeia de Telata, o fotojornalista captou a imagem de um guerrilheiro se abaixando para se esconder. No entanto, a câmera de vídeo do colega ficou visível no canto esquerdo inferior do quadro, o que levou Contreras a editar a foto, “clonando” outras partes do fundo e colando-as sobre a câmera a fim de ocultá-la.
Contreras é um dos cinco fotógrafos da AP que dividiram um Pulitzer em abril do ano passado exatamente por causa de registros do conflito na Síria. Ele foi citado pelos juízes da premiação como alguém capaz de "produzir imagens memoráveis sob risco extremo" e saudado por Santiago Lyon, vice-presidente e diretor de fotografia da AP, por sua “bravura e habilidade”.
Revisão do arquivo
A confissão de Contreras levou a AP a revisar todas as 494 imagens de autoria do fotógrafo mexicano em seu arquivo. Não foram encontrados registros de outros casos de alteração – inclusive nenhuma das fotos premiadas pelo Pulitzer foi comprometida. Ainda assim, a agência decidiu cortar totalmente as relações com Contreras e remover todo o arquivo do fotógrafo disponível ao público de seu banco de dados.
A AP e outras agências de notícias permitem a utilização de softwares para clarear ou escurecer imagens, com a intenção de reproduzir as cenas exatamente como testemunhadas pelos fotógrafos. Mas a mudança de elementos em fotos não é algo aceitável. Lyon declarou que a agência não podia tolerar “a manipulação de uma cena que não era fiel à realidade”. “A reputação da AP é primordial e reagimos decisiva e vigorosamente quando a atitude viola nosso código de ética”, disse ele. “A remoção proposital de elementos de nossas fotografias é completamente inaceitável. É muito importante que a AP seja totalmente transparente sobre as coisas dessa natureza”.
Padrões elevados
Ainda na quarta-feira, Contreras apresentou sua versão da história e disse que achava que a câmera de vídeo no quadro poderia distrair os leitores. Ainda assim, o fotojornalista admitiu ter se arrependido de sua decisão. “Tomei a decisão errada quando removi a câmera… Estou envergonhado por isto", afirmou. "Você pode verificar meu portfólio e constatar que foi um caso isolado, que provavelmente ocorreu em um momento de muito estresse, em uma situação muito difícil, mas, sim, aconteceu comigo, então tenho de arcar com as consequências”. Contreras também deixou um longo depoimento (em inglês) em sua conta no Facebook, pedindo desculpas por sua atitude.
A discussão sobre o caso pipocou na internet. No blog de fotografia do britânico The Guardian, Roger Tooth, chefe do setor de fotografia do jornal, justifica a decisão da AP: “As maiores agências de notícias e seus clientes confiam que suas imagens são totalmente autênticas; é por isso que organizações de notícias como o Guardian gastam milhares de libras todos os anos em seus contratos. Em um ambiente jornalístico, tudo se resume a uma corrente de confiança: dos fotógrafos até as agências, jornais e sites, e depois até os leitores. Se esta corrente é quebrada, qualquer imagem pode ser suspeita, e isso não pode acontecer”.
Já em artigo no Gawker, o jornalista Adam Weinstein levanta um debate sobre o valor jornalístico das imagens e o alto padrão de exigência enfrentado por fotojornalistas que cobrem zonas de conflito. “Contreras foi dispensado, basicamente, porque se esforçou demais para tentar alcançar um padrão fajuto de foto noticiosa”, afirma.
“O caso levanta a questão: se a presença da câmera de um colega não mudava o valor jornalístico da foto, por que Contreras sentiu a necessidade de removê-la dali? Ele ponderou, de maneira correta, que os veículos de notícias não iriam escolher uma imagem com a câmera no canto. Mas, mais uma vez, se aquele canto da foto é secundário para a relevância jornalística, por que os editores não a comprariam?”. Ele continua: “Espera-se que Contreras e outros fotojornalistas entreguem imagens limpas e estéreis para estas organizações de notícias. Imagens limpas e estéreis transmitem objetividade e credibilidade, mesmo quando não são objetivas ou críveis. Todo ponto de vista é um ponto de vista de algum lugar. Ainda assim, repórteres e fotógrafos ‘corretos’ são constantemente pressionados a ocultar este ‘lugar’”.
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O caso Brian Walsky e a foto alterada na capa do Los Angeles Times (2003)