O episódio da comercialização dos direitos de transmissão televisiva do Campeonato Brasileiro de Futebol para o triênio 2012-2014 reafirmou a dependência desse esporte com relação às indústrias televisivas no país. Confirmou seu atrelamento à Rede Globo, tanto que a possível aquisição de tais direitos por outro grupo de TV, o que acabou se confirmando, levou a um desmonte do Clube dos 13, entidade que reunia os 20 maiores clubes do país. Esta conexão comprova uma história de influência da Globo sobre o futebol nacional, até por sua posição de líder há mais de 40 anos no setor audiovisual.
O próprio processo licitatório pode ser questionado, refletindo-se sobre sua transparência, em especial por se tratar de uma área com tanto impacto na vida do brasileiro, movimentando recursos da população indiretamente, que paga por ingressos em estádios, camisetas, mensalidades de associação e produtos em geral com custo embutido de publicidade. Por mais que o Conselho de Administração de Defesa Econômica (Cade) tenha julgado o processo referente à venda dos direitos de transmissão e tenha acompanhado de perto a licitação desses direitos para os próximos três anos, deve-se perguntar se a licitação não deveria ter proposto direitos compartilhados, para barrar a possibilidade de outro monopólio.
Não obstante isso, como a celeuma não acabou com a abertura dos envelopes da licitação, pode-se pensar numa situação em que o principal campeonato do país entre num imbróglio jurídico sobre quem poderá transmitir determinados jogos. Com a atual divisão entre os clubes que concordam com o processo estabelecido pelo Clube dos 13 e os que resolveram assinar contratos individuais, pode-se ter numa mesma partida o confronto de clubes cujos direitos televisivos pertencem a emissoras diferentes. Isto poderia resultar na transmissão da partida por duas emissoras, havendo acordo entre as detentoras dos direitos, ou até mesmo que ela não fosse exibida pela mídia televisão, o que prejudicaria ainda mais o torcedor/consumidor do produto futebol no Brasil.
Sem concorrência e sem transparência
Sobre este caso, cabe ainda a pergunta: até onde vão os interesses e a capacidade estrutural da Rede TV!, vencedora do processo de licitação, com o pagamento de R$ 516 milhões por ano de transmissão? Emergente no cenário do audiovisual nacional, após a contratação de uma das maiores figuras midiáticas do país, a apresentadora Hebe Camargo, a emissora pode ter nas mãos, a partir do ano que vem, o principal torneio do esporte mais acompanhado pelos brasileiros. Dada a importância do futebol no contexto socioeconômico, até que ponto ela iria para manter a exclusividade desta transmissão, tendo como oponente um dos mais fortes e influentes grupos midiáticos do Brasil, a Rede Globo, que já fez com que a Rede Record desistisse das negociações minutos antes da abertura dos envelopes?
Em seu comunicado de desistência da licitação, a Rede Record – cujo modelo de financiamento extra-mídia prejudica o funcionamento do mercado, podendo trazer consequências desastrosas para o sistema no longo prazo – faz críticas duras à situação atual da definição de direitos de transmissão no Brasil. A emissora, com sede em São Paulo, elogia o processo de licitação definido pelo Cade, mas critica a pressão realizada para a divisão entre os clubes, especialmente a situação de pré-acordos que teriam sido estabelecidos sem concorrência, sem transparência e que teriam como objetivo manter a decisão sobre o quanto pagar pelo futebol nas mesmas mãos de sempre, as da Rede Globo.
O peso das comunicações nas economias
Uma das hipóteses a se pensar enquanto possível solução para a disputa é a partilha da transmissão entre duas emissoras, fato que ocorre com frequência para os torneios nacionais. No atual contexto, a Rede Globo, proprietária dos direitos de transmissão, repassa-os para outras emissoras através de determinadas regras. A sua atual parceira, a Band, por exemplo, frequentemente mostra as mesmas partidas das afiliadas da Globo, quebrando desta forma uma possível pluralidade de eventos transmitidos, por mínima que fosse. Algo que, se mantido, infringe uma das alterações propostas na licitação do C13, que era manter a decisão por retransmissões sob aprovação dos clubes e não apenas da emissora detentora do evento.
A Rede TV! tem um prazo para dar as garantias financeiras de que poderá cumprir com o pagamento, mas é difícil pensar que esse contrato irá ser assinado por todos os clubes, apesar de a emissora sinalizar que também irá negociar individualmente. Para se ter uma ideia da dependência deles, por várias vezes os dirigentes remanescentes do C13 afirmaram que a Rede Globo antecipara cotas de transmissão para garantir que a licitação não iria dar certo. As definições até aqui visualizadas acabam por jogar por água abaixo a tentativa do Cade de regularizar a compra dos direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de futebol e só confirmam o quanto é selvagem o mercado da comunicação no Brasil, mesmo dentro de um contexto capitalista.
Outro ponto verificado nesta questão é a divulgação de informações de cunho econômico interno das indústrias culturais para o público, comprovado com a publicação das cartas com as desistências das redes de TV Globo e Record. Apesar de as negociações da Globo com os clubes terem se dado por fora dos holofotes, a preocupação em se dar uma carta à imprensa mostra o peso das comunicações nas economias, quando a própria mídia dá maior cobertura às indústrias culturais em sua interface econômica, a partir dos muitos negócios que se multiplicam, principalmente envolvendo o audiovisual.
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Respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos