Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As fotos fajutas do Daily Mirror

Soldados britânicos espancando com um rifle e urinando sobre um prisioneiro iraquiano chocaram a Grã-Bretanha no começo de maio. Alguns dias depois, o choque parece ter batido num espelho e refletido sobre o Daily Mirror: constatou-se oficialmente que as aterradoras imagens publicadas pelo tablóide foram forjadas.

Tudo já indicava que o jornal corria perigo. O primeiro-ministro Tony Blair afirmou, em 12/5, que as imagens são ‘quase certamente falsas’. Antes dele, Geoff Hoon, secretário da Defesa, disse em 10/5, ao Parlamento, que havia ‘fortes indícios’ de que o veículo exibido nas fotografias do Daily Mirror não estava no país, inferindo que houve encenação para fazer a foto. Segundo reportagem de Owen Gibson [The Guardian, 10/5/04], o serviço de investigação do governo já havia apurado que o modelo de caminhão que aparece nas fotos não foi usado no Iraque.

Em 13/5, Claire Cozens e Chris Tryhorn [The Guardian, 13/5] noticiaram que o ministro das Forças Armadas Adam Ingram falou a parlamentares que os investigadores já tinham certeza de que as fotos não foram tiradas no Iraque. Disse que só não faria o anúncio oficial porque a investigação ainda não havia sido concluída.

Culpa do editor

A confiança do governo em relação à falsidade das fotos era inversamente proporcional à do editor do jornal, Piers Morgan. Sob forte pressão após defender veementemente sua decisão de publicar as imagens, ele foi demitido do jornal na noite de 14/5, gesto aplaudido por políticos e militares que queriam justiça pela calúnia por que Morgan fora responsável. Além disso, o Daily Mirror publicou um pedido de desculpas que ocupou toda a capa de sua edição de 15/5.

Aparentemente, Morgan recusou a ordem de pedir desculpas imposta pelo editor-executivo Sly Bailey, e foi obrigado a sair do prédio do Mirror escoltado. Foi o fim de mais de oito anos de reinado no jornal. Segundo informações da BBC News [15/5], o ex-editor será substituído interinamente por seu vice, Des Kelly. Em 14/5, Morgan dissera que não havia razões para se desculpar. ‘Se ninguém sabe a proveniência dessas fotos’, disse, ‘por que deveríamos pedir desculpas?’

Ecos da BBC

A história toda, segundo Chris Tryhorn e Lisa O’Carroll [The Guardian, 14/5], lembra o escândalo da BBC, que causou a demissão dos principais diretores da corporação e do correspondente que afirmou em uma reportagem que o governo britânico havia deturpado um dossiê sobre armas de destruição em massa no Iraque, a fim de torná-lo mais atraente e, a guerra, mais justificável.

Morgan não concorda com a inevitável comparação. Ao ser questionado se via similaridades nos dois casos, ele disse: ‘Com todo o respeito, não somos a BBC e eu não sou [o diretor-geral da corporação] Greg Dyke. Ninguém provou nada ainda, e as imagens são apenas parte da história’.

‘Fomos enganados’

Além da retratação na capa, a companhia que publica o Daily Mirror também pediu desculpas em um comunicado. ‘O Daily Mirror publicou de boa-fé fotografias que acreditou serem genuínas’, afirma o documento. ‘No entanto, agora há evidências suficientes para atestar que as imagens eram falsas e que o Daily Mirror foi vítima de uma armação calculada e maliciosa.’ A companhia também pediu desculpas pela publicação, lamentou os danos que pode ter causado à unidade militar que afirmou responsável pelas torturas e garantiu que continuará colaborando com a investigação.

Um oficial do regimento em questão já havia exigido a publicação de um pedido de desculpas na primeira página do jornal. Na época, a companhia Trinity Mirror ainda estava apoiando seu editor, mesmo aceitando que as fotos poderiam ser reconstituições de eventos que de fato aconteceram, confirmados pela Cruz Vermelha e pela Anistia Internacional. Além disso, de acordo com Owen Gibson [The Guardian, 11/5], um dos argumentos de Morgan seria o de que o Mirror tentou de qualquer maneira checar a veracidade das fotografias antes de publicá-las, e que Geoff Hoon levou oito dias para levantar uma evidência contrária.