Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Atividade sob ameaças e pressões

Uma das características marcantes dos regimes ditatoriais é a de calar os meios de comunicação que possam divulgar algum fato que lhes ponha em perigo a detenção do poder, apelando com freqüência à tortura física e ao assassinato de jornalistas.

Existem exemplos de tentativas de amordaçar a imprensa em regimes democráticos. Cito um exemplo brasileiro que teve desfecho trágico:

O país vivia seu segundo governo democraticamente eleito depois da ditadura de 1930/45 e o presidente era o ex-ditador Getúlio Vargas.

No jornal A Noite (RJ) trabalhava o veterano repórter Nestor Moreira, então com 44 anos, que cobria polícia. Na madrugada do dia 11 de maio de 1954, passava pouco de meia-noite quando passou pelo 2º Distrito em busca de alguma notícia. Todavia, lá ele não era benquisto, pois em seus artigos enfatizava a incompetência policial. Logo à entrada, foi brutalmente agredido por membros da Guarda Civil ainda azeitados pelo ranço da Polícia Especial criada no tempo da ditadura. O repórter foi levado em estado lastimável para um hospital, onde veio a falecer em função do espancamento (22/5).

Por oportunismo, o jornalista/político Carlos Lacerda começou uma cruzada, desde a beira do túmulo de Moreira, qualificando o governo de seu arquiinimigo, Getúlio, de monstruoso, que tudo era também monstruoso em seu governo de corrupção e violência.

Os ataques de Lacerda foram crescendo em progressão geométrica até o dia 5 de agosto, quando sofreu o que ficou conhecido como ‘Atentado da rua Tonelero’ e morreu seu acompanhante, o major da Aeronáutica Rubens Vaz. A democracia permitiu a apuração do crime, que chegou ao Palácio do Catete e envolveu a guarda pessoal do presidente. Tudo terminou em tragédia com o suicídio de Getúlio Vargas no dia 24 de agosto (‘Começo do fim‘).

Interferência do Kremlin

A Rússia, depois de algumas décadas da ditadura soviética, é hoje teoricamente uma democracia. Esta pode até funcionar, mas nem tanto para a mídia.

No dia 16/12, duas mil pessoas concentradas no centro de Moscou em protesto contra a situação geral do país, foram cercadas por mais de oito mil policiais – câmeras e televisões, nem pensar. O clima que atualmente reina na Rússia é de perseguições, intimidações de todos os gêneros, gente detida nos trens, nos ônibus e poucas passeatas como estas são permitidas, mas sempre pressionadas por um forte aparato policial.

Um dos líderes do movimento, o ex-campeão de xadrez Garry Kasparov, que há poucos meses teve desmarcada a participação num programa popular da televisão alemã por indevida interferência do Kremlin, diz: ‘Na Rússia estabeleceu-se um sistema corrupto. A violação das leis faz parte da vida cotidiana.’

Muitas pessoas testemunharam que os responsáveis pela transmissão tiveram que renunciar a receber o ex-campeão, caso contrário o embaixador russo em Berlim não teria ido ao programa no qual se debateria a morte do agente Litvinenko (‘Não estamos acostumados à democracia‘), por receio de perguntas embaraçosas. Assim, sem essa presença, o programa foi um spot publicitário para o Kremlin. Entenda-se que a Alemanha teve que aceitar essa pressão, dependente que é do gás natural russo.

Encobrindo a realidade

Passadas 24 horas da manifestação denunciando o autoritarismo do governo Putin, apareceram nas ruas dezenas de milhares de pessoas do movimento nacionalista Nashai, de apoio ao Kremlin. O clima era tranqüilo e muitos estavam vestidos de Dyet Moroz (o Papai Noel russo). Bem diferente da super-blindada manifestação de sábado, essa enorme passeata aconteceu às vésperas do protesto organizado por jornalistas russos em memória de seus colegas assassinados. Mais ou menos 250 jornalistas reuniram-se, debaixo de uma pesada vigilância da polícia, na praça Pushkin, carregando velas e lendo a longa lista com o nome dos colegas que foram mortos em atentados ou em circunstâncias misteriosas. Muitos levavam cartazes dos colegas mais conhecidos que foram assassinados, como Anna Politkovskaya (‘O assassinato de uma heroína‘ e ‘Até quando se poderá virar a página?‘), que denunciou a política russa na Chechênia e foi morta na porta de sua casa no dia 7 de outubro passado. Em 15 anos, foram assassinados 211 jornalistas, 109 durante o governo Ieltsin e 102 nos seis anos de Putin no poder.

O acadêmico Alexei Yablokov resume a situação ‘Quando jornalistas são mortos e o governo não encontra os culpados, quer dizer que não quer que se conheça a realidade.’

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Jornalista