Conforme a história nos tem exaustivamente mostrado, momentos de instabilidade política e econômica ensejam todo tipo de radicalismo ideológico e o florescimento de antigos preconceitos que até então estavam escamoteados pela hipocrisia cotidiana. Não por acaso, o nazismo emergiu em uma Alemanha arrasada tanto pela derrota na Primeira Guerra Mundial quanto pelos desdobramentos da crise capitalista mundial iniciada com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929.
No outro extremo ideológico, a desestabilização provocada em todo o Sudeste Asiático pela guerra do Vietnã trouxe, entre outras consequências nefastas, o sanguinário regime do Khmer Vermelho no Camboja. Guardadas as devidas proporções, também podemos constatar uma perigosa ascensão de ideias preconceituosas na atual conjuntura social brasileira.
Estereótipos sobre minorias historicamente segregadas, como negros, mulheres, nordestinos, pobres e homossexuais, têm sido exaustivamente propagados nos mais variados âmbitos de nossa sociedade, desde as conversações cotidianas, passando pelas redes sociais e chegando à grande imprensa.
Nessa onda preconceituosa, os discursos de cunho sexista têm chamado bastante a atenção. No Facebook, inúmeros comentários sobre o cenário político brasileiro preferem ofender Dilma Rousseff a partir de palavras como “vaca”, “cachorra” ou “vagabunda” (entre outras alcunhas impublicáveis), em vez de questionarem a maneira como a presidenta administra o país.
Tais colocações nada mais fazem do que reforçar os perniciosos estigmas secularmente atribuídos ao sexo feminino Brasil. Não obstante, o que torna essa questão ainda mais controversa é o fato de que muitas mulheres também se dirigem às suas congêneres utilizando os mesmos termos negativos citados acima.
Já a revista Veja causou grande polêmica ao publicar recentemente uma matéria em que elogiava a esposa do vice-presidente da República, Marcela Temer, por seu estilo discreto e por usar “vestidos na altura dos joelhos”. Segundo a publicação, a “quase primeira-dama” pode ser resumida em três características: “bela, recatada e do lar”.
Dito de outro modo, Marcela encaixa-se perfeitamente nas “qualidades” que a sociedade patriarcal espera de uma mulher: esposa dedica que vive à sombra do marido, boa mãe, esteticamente atraente e restrita apenas ao âmbito doméstico. Lembrando a dialética hegeliana, assim como o escravo não possui existência própria fora da relação desigual com o seu senhor, poderíamos dizer que a identidade de Marcela é alienada, ou seja, exclusivamente atrelada ao seu papel social como cônjuge de Michel Temer.
Apesar de o voto feminino ter sido instituído há mais de oito décadas, de as mulheres terem conquistado consideráveis espaços nas instituições de ensino e no mercado de trabalho, da promulgação de políticas referentes ao divórcio ou da tentativa de inibição da violência doméstica de gênero por meio da Lei Maria da Penha, infelizmente, em pleno século 21, as retrógradas ideias machistas ainda insistem em permanecer no imaginário coletivo brasileiro.
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Francisco Fernandes Ladeira é professor e mestrando em Geografia