Durante mais de 20 anos, desde a vitória da Revolução de Mao (1949) até a visita do presidente estadunidense Richard Nixon (1972), a Organização das Nações Unidas, os Estados Unidos e os países a ele alinhados resolveram ignorar a nação mais populosa do mundo, a Republica Popular da China (a China continental ou comunista), elegendo como seu representante oficial a pequena República da China (a China nacionalista, na Ilha de Taiwan). A China, por sua vez, resolveu isolar-se do mundo, criando o que se chamou Cortina de Bambu, sucedâneo chinês da Cortina de Ferro soviética.
Da visita de Nixon até agora muita coisa mudou na China, que se tornou uma grande incógnita para o mundo ocidental e até para os sinólogos. Não se sabe direito até onde aderiram ao capitalismo, fato é que está tomando conta dos mercados comerciais do mundo, como grande consumidor ou grande vendedor. No plano político, nada que se assemelhe à democracia: campos de concentração e julgamentos sumários para os dissidentes do regime e, mais do que tudo, uma censura feroz nos meios de comunicação.
Entre os dias 19 e 21 de novembro, o presidente George W. Bush fez visita à China para ‘promover a liberdade’, declarando: ‘Espero que o governo não tema os cristãos que se reúnem para rezar. Uma sociedade sã acolhe todos os credos; o governo chinês faria bem em convidar o dalai lama. Compreenderia que não tem projeto algum independentista; os líderes chineses devem promover uma histórica transição no sentido de uma liberdade sempre maior e consolidada.’ Recebeu vaga resposta de Hu Jintao, secretário-geral do Partido Comunista Chinês: ‘Adotaremos políticas democráticas com características chinesas’.
Mudança notável
A China é hoje o maior parceiro comercial do Estados Unidos, com 200 bilhões de dólares em negócios bilaterais. Mas ficou patente uma novidade: já passou o tempo em que um presidente americano tinha o poder de mudar a China, como o histórico encontro de Nixon e Mao marcou a abertura depois de um longo período de isolamento; a visita de Reagan em 1984, consolidando as reformas de Deng Xiaoping; ou a de Clinton em 1998, logo depois do massacre de Tiananmen, que deu algumas esperanças democráticas, tanto que um grupo de dissidentes tentou formar um partido de oposição.
A visita de Bush foi marcada por algumas novidades. Primeiro, pela entrevista coletiva dos dois dirigentes: os jornalistas foram proibidos de fazer perguntas, e ambos limitaram-se a ler seus discursos para um grupo de repórteres que faziam cena muda. Além desse ‘engessamento’, sem perguntas incômodas, as declarações de Bush e as de Hu não foram transmitidas pelas 20 emissoras da rede estatal chinesa nem pelos jornais locais. A população do país viu somente Bush e Laura descendo do Air Force One e depois servindo-se de comida no banquete oficial.
Hoje, Pequim se permite o que jamais fez: ignorar um presidente americano. Pode ser que esteja se aproveitando de um momento de fragilidade deste, ou porque a China é sabedora de seu novo poderio, ou por ambas as razões. O fato é que se trata de uma mudança notável.
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Jornalista