Caminhar pelas ruas de Londres na sexta-feira, 24 de junho, era como atravessar a maior sala funerária do mundo. A sensação de perda era perceptível por toda parte. Estranhos conversavam abertamente com estranhos (o que é incomum em Londres) sobre o que acabara de acontecer; o enorme e chocante espetáculo que, impotentes, eles acabavam de presenciar, da mesma maneira que se criam vínculos esporádicos com pessoas que acabam de presenciar um horrível acidente de carro e todo mundo está esperando que a polícia chegue para pôr ordem na confusão.
Só que nenhuma polícia vai chegar. Aquela batida de carros iria continuar sendo uma batida. Na realidade, se a batida não fosse apenas uma batida, iria ser outra batida. E as batidas continuam até agora.
É isso que sentem os 48% que votaram a favor de continuar na União Europeia e sentem que algo precioso lhes foi subtraído naquela quinta-feira, 23 de junho.
A sensação de desânimo e de privação continuou sem dar sinais enfraquecer. O fato de que os que votaram pela saída estejam tão nitidamente desorientados em relação ao que fazer agora apenas se soma à sensação de que esta é uma ferida auto-imposta de proporções mastodônticas.
Acrescente-se a isso as constantes e sufocantes advertências para se calar, para parar de choramingar, para continuar em frente e simplesmente aceitar a democracia. É difícil imaginar a velocidade com que se iriam calar os que votaram pela saída, com que iriam parar de choramingar, seguir em frente e simplesmente aceitar a democracia se 650 mil votos tivessem oscilado para o outro lado.
Dois jornais a favor de ficar
As divisões estão ali, nítidas como a linha de uma falha tectônica, com os acompanhantes de sempre – terremotos, tremores e vulcões. As estruturas políticas oficiais no Reino Unido vêm lutando para assimilar em suas cabeças o que aconteceu lá fora, no mundo real. Porque ali fora, no mundo real, não é um lugar que visitem frequentemente.
As novas linhas de divisão – que nada têm a ver com suas velhas políticas partidárias – referem-se a atitudes. Assim como a própria linha de uma falha, as linhas de divisão são intensas; tolerância contra intolerância, esperança contra ódio. Coisas asquerosas e perigosas vêm à tona com uma regularidade alarmante.
Mas em termos mais amplos, onde a maior parte de nós optamos por viver, as linhas de divisão são menos rigorosamente demarcadas, porém também fundamentais. Aberto contra retirado; expansivo contra defensivo. (E as terras de um vulcão podem constituir o solo mais fértil da terra. É isso que esperamos que vá acontecer; que este novo campo não é estéril e acabará produzindo algo maravilhoso e sustentável.)
Mas nas grandes faixas dos meios de comunicação com que somos abençoados na língua inglesa, parece que está faltando alguma coisa. Um produto impresso que reflita de maneira muito clara os valores dos 48%. Os valores dos 52% parecem muito melhor representados pela imprensa nacional. Embora a qualidade com que esse eleitorado foi servido tenha representado, na verdade, um ponto de interrogação que paira acima do resultado total do referendo.
Mas e a favor dos 48%? Dois jornais tradicionalmente considerados de esquerda na política britânica, mas que só se comprometeram com a causa dos eleitores favoráveis a ficar na UE nos últimos momentos da campanha, quando – evidentemente – era tarde demais.
A cada dia vem mais gente para a festa
Lembrei-me do lançamento do jornal Independent, em 1986. Eu tinha 17 anos. Comprei um exemplar do primeiro número e todos os que se seguiram e carregava-o, como uma medalha de honra, no ônibus para a universidade. Parecia que ele tinha articulado um conjunto de valores que eu não sabia que tinham a ver comigo até vê-los impressos.
Esse é um dos elementos mágicos do impresso. É um indicador visível para o mundo de quem você é. Nada dessa coisa promíscua de pular, num site, de marca para marca. O impresso é um compromisso. O preço do jornal é sua assinatura de sócio de um clube. Portanto, o que é que havia ali que dava a sensação de uma articulação visível dos 48%? Foi aí que nasceu a ideia do jornal The New European.
Isso foi na terça feira, há uma semana.
Ninguém lança um novo jornal nacional nuns poucos dias. Mas nós o faremos. Vamos para a impressão na quinta-feira, estaremos nas bancas na sexta e à venda online no endereço www.theneweuropean.co.uk.
Por quê? Porque este é um jornal do momento e esse momento pode passar logo. Qualquer atraso de uma semana enfraquece nossa oportunidade de chamar a atenção.
Mas também é porque podemos fazê-lo. O modelo tradicional, de meses de pesquisa de mercado, desenhando boneco após boneco, fazendo projetos de negócios por três anos e com uma equipe de jornalistas, designers, marqueteiros e gerentes de circulação parece desnecessário se você pretende existir só por algum tempo. Corte esses itens mais caros e você tem um custo relativamente conservador e a oportunidade de agir com uma agilidade notável.
Se nós fôssemos uma empresa digital, tentando apresentar detalhadamente um modelo inovador para ver como uma audiência iria reagir, ninguém iria sequer piscar os olhos. Mas tratando-se de um negócio de um impresso tradicional, impregnado na tradição e em marcas seculares, parece uma temeridade revoltante.
Então é aí que nós estamos. Dois dias para ir para a impressão e na sexta-feira a primeira edição do jornal The New European estará à venda. Não será perfeita. Não se espera que os jornais sejam perfeitos. Mas será enérgica, eclética, comemorativa, levando à reflexão e em lugares maravilhosamente aleatórios.
E temos alguns especialistas fantásticos escrevendo para nós: Miranda Sawyer, James Brown, Suli Breaks, Saul Klein, Simon Calver, Mike Butcher, Osman Ahmed, Peter Bal, Tanit Koch e Wolfgang Blau. E a cada dia vem mais gente para a festa. Espero que você também venha.
***
Matt Kelly é editor do jornal The New European