Folha de S. Paulo, 27/2
Antonio Athayde
Como tornar a relevância irrelevante
‘Primeira Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.
Segunda Lei: Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.
Terceira Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou com a Segunda Lei.’ (Isaac Asimov).
As leis que presidem a existência dos robôs, estabelecidas pelo genial Isaac Asimov, ganham relevância nos dias de hoje, quando os robôs reais, não aqueles criados à imagem e semelhança dos humanos dos livros de ficção, estão no dia a dia de pessoas e empresas.
Sem notar, milhões de usuários dos buscadores (Google, Bing etc.) são servidos por robôs.
Tais ‘máquinas’ percorrem os sites da rede colocando algum tipo de ordem nesse ‘Woodstock eletrônico’, de modo a tornar possível ao internauta localizar informações de seu interesse dentre os exabytes à sua disposição. O trabalho não é só localizar as informações, mas também mostrá-las de modo resumido e ordenado, para que se possa selecioná-las dentre as alternativas apresentadas.
Que critérios definem as informações que devem aparecer em primeiro lugar, dentre as centenas ou milhares que satisfaçam aos critérios da pesquisa? Como reza a segunda lei da robótica, as ‘search engines’ prestam rigorosa obediência aos humanos que as criaram.
O Google deve sua existência a um algoritmo mágico que revolucionou a maneira de usar a internet, tornou bilionários seus criadores e define os critérios de relevância que determinam que informações são exibidas na tela do internauta e em que ordem. Curiosamente, no admirável novo mundo que criou, Aldous Huxley previu que todas as dúvidas e que a insegurança dos cidadãos seriam dissipadas com o consumo de uma droga, sem efeitos colaterais, denominada ‘soma’.
Seria essa droga o Google? Teria o seu uso ‘efeitos colaterais’?
Analisemos um caso em que a importância dos robôs se torna decisiva: os agregadores de notícias. Essa variedade de robô tem a pretensão de saber, a partir da localização geográfica do usuário, exatamente que fontes de notícias deverão ser buscadas. É também seu papel definir a relevância dos veículos de comunicação em que encontrou a notícia. A ordem de apresentação na tela reflete a relevância atribuída a cada um deles.
O Google afirma que sua missão é ‘organizar as informações do mundo todo e torná-las acessíveis e úteis em caráter universal’.
Quero saber a situação da Líbia; são 15:30 do dia 23/2, e digito ‘SITUAÇÃO LÍBIA’ no Google News. O resultado: ‘Conselho de Direitos Humanos da ONU aborda situação da Líbia (Angola Press – há sete horas)’. Interesso-me pela Itália: digito ‘PROCESSO BERLUSCONI’ e meu resultado é ‘A ‘batalha final’ contra Berlsuconi (PlanetaOsasco.com – há 13 horas’).
E sobre os 90 anos da Folha?
‘Dilma na cova dos leões; aniversário do jornal ‘Folha’ (PlanetaOsasco.com – há 3 horas)’.
Os indianos que definem a ‘relevância’ de notícias não sabem o que realmente interessa a um habitante da cidade de São Paulo, que gosta de ler a Folha e ‘O Estado de S. Paulo’. O algoritmo parece ter perdido o ritmo.
Faça, leitor, algumas experiências. Fontes para nós irrelevantes, sites que fazem ‘copia e cola’ de notícias, jornais de cidades periféricas (importantes, é claro, para os felizardos que nelas moram), nos são apresentadas em primeiríssimo lugar pelo Google News, numa demonstração de ‘relevância’ absolutamente incompreensível. São mesmo gênios os caras…
ANTONIO ATHAYDE, 65, engenheiro, é consultor da ANJ (Associação Nacional de Jornais). Foi executivo sênior da Rede Globo, Globosat/NET Brasil, Globopar, Rede Bandeirantes e SBT. Trabalhou como consultor da Telefônica para projetos de TV na América Latina e para o Grupo Abril.
Folha de S. Paulo, 27/2
Fábio Barbosa
O mundo em rede
A INTERDEPENDÊNCIA veio para ficar e já está alterando, há algum tempo, a relação entre os países.
Tendências como os fluxos migratórios, problemas ambientais e crises financeiras têm passado por cima das fronteiras, demonstrando até pouco respeito à independência de cada país.
Uma crise num mercado se alastra rapidamente para outro e, portanto, aumenta a necessidade de coordenação entre os países. Acordos financeiros globais são negociados em Basileia, acordos ambientais, em Kyoto e em Copenhague, e negociações sobre fluxos migratórios são tratadas entre blocos econômicos, quando não através de (frustradas e frustrantes) construções de muros.
A independência de um país para definir o destino dentro dos seus domínios está sendo cada vez mais abalada pela interdependência que se sobrepõe. Os governos não estão aparelhados para lidar com essa crescente onda de problemas supranacionais e só agora começam verdadeiramente a buscar novos caminhos, pressionados pelos novos tempos.
A notícia é que a interdependência será cada vez maior, goste-se ou não. Com 5,3 bilhões de celulares no mundo e com cerca de 2 bilhões de pessoas conectadas pela internet (dados da União Internacional de Telecomunicações), a comunicação está mais rápida do que nossos padrões de conhecimento conseguem compreender. Isso impacta a todos, mas se dá de forma mais acentuada, claro, entre os jovens.
Um fato recente que tem chamado muito a atenção é o que está acontecendo em vários países do mundo árabe. Não vou explorar o aspecto político, mas destacar o papel dos jovens na mobilização da sociedade pelas redes sociais. Foi com esse mecanismo pouco estruturado, mas muito eficiente, que concentrações enormes foram articuladas.
Da forma como estão organizados, os governos também não estão conseguindo compreender e muito menos controlar essa rede de informações. É tudo muito rápido e muito fluido. Os tempos do que se chamava de ‘comando e controle’ estão ficando para trás.
Caso recente e ilustrativo é o de alguns congressistas de países ocidentais que ficaram perplexos com os acontecimentos no mundo árabe.
O foco dessa perplexidade, porém, não é no que aconteceu em si, mas em como lidar com essa nova situação em que a informação sobre as mobilizações chega diretamente a eles e a todos, via redes sociais, antes mesmo que seus sofisticados serviços de informação secretos tenham tido tempo de saber, entender e interpretar.
O fenômeno das redes sociais impacta também as empresas e, por conta disso, elas precisam aprender a tratar com novas mídias dentro de casa (blogs) e nas relações com o mercado (Facebook, internet, blogs e Twitter).
A fonte de notícias não é mais somente a mídia tradicional. Além de TVs, jornais, revistas e rádio, a divulgação das informações também já está definitivamente on-line, pulverizada e democratizada. Novos tempos.
Muitos hábitos dos jovens também estão mudando por conta disso e sua fonte de informações é muito diversa. Por exemplo, no caso de produtos e serviços, os jovens se informam não só pela propaganda dos anunciantes, mas querem saber pelas redes sociais o que seus amigos acham da experiência que tiveram com determinado produto ou serviço.
Difícil dizer quais serão as implicações de todas essas mudanças.
Arrisco-me, porém, a dizer que serão mudanças muito positivas, pois teremos mais transparência, mais participação, mais engajamento.
Vejo os jovens do mundo inteiro ávidos por serem protagonistas desse mundo interdependente, contando agora com um instrumento de comunicação e participação -as redes sociais- que é formado por eles, consolidando, agora, sim, a aldeia global. Com a boa-nova de que esses jovens estão conectados de maneira mais intensa e com consciência social e ambiental maior do que a geração anterior.
O mundo já está e ficará ainda mais transparente e interdependente. E isso é uma excelente notícia.
FÁBIO COLLETTI BARBOSA, 55, administrador de empresas, é presidente do conselho de administração do Banco Santander. Escreve mensalmente, aos domingos, neste espaço.