Chegou ao fim, pelo menos na CBS, a novela da reportagem apresentada em setembro no programa 60 Minutes, em que George W. Bush foi acusado de ter recebido tratamento privilegiado quando serviu na Guarda Nacional, nos anos 1970. Cabeças rolaram na emissora, e o presidente e seus correligionários podem festejar o duro golpe que o caso representa na carreira do âncora Dan Rather, tido pelos conservadores como um de seus piores inimigos na grande imprensa, por eles considerada pró-democrata.
O ex-ministro da Justiça Dick Thornburgh e o ex-presidente da AP, Louis Boccardi, encarregados pela CBS de investigar como a produção do programa pôde levar ao ar uma reportagem baseada em documentos de autenticidade duvidosa, apresentaram na semana passada relatório de 224 páginas. Eles isentam a equipe do 60 Minutes de ter agido por motivação política, mas condenam severamente a falta de cuidados básicos na apuração das informações da reportagem e, depois, quando ela foi colocada em dúvida, a teimosia em querer defendê-la.
A matéria apresentada em setembro, pouco antes da eleição presidencial, tinha como base documentos supostamente escritos por um superior de Bush na Guarda Nacional, que davam conta de que ele teria se negado a fazer exame médico e que sua família estaria fazendo pressão para que tivesse tratamento diferenciado.
Horas após a transmissão do 60 Minutes de 8/9/04, blogueiros republicanos começaram a levantar dúvidas quanto à autenticidade dos documentos, que pareciam ter sido feitos em computador. Boccardi e Thornburgh apontam 10 falhas de procedimento na apuração da matéria e sugerem que a CBS crie um cargo independente para supervisionar se os padrões jornalísticos da emissora estão mesmo sendo seguidos pelos funcionários. Eles enfatizam também que a pressão e a competitividade influenciaram na decisão de levar a reportagem ao ar sem a devida checagem, e que isso precisa mudar.
Após a publicação do relatório, quatro funcionários da CBS perderam o emprego: a vice-presidente sênior Betsy West, supervisora dos programas jornalísticos do horário nobre, o produtor-executivo da edição de quarta-feira do 60 Minutes, Josh Howard, sua vice, Mary Murphy, e a produtora da reportagem, Mary Mapes.
Sem programa
Rather, que decidiu sair da função de âncora principal da CBS após o caso, ficando apenas como repórter do 60 Minutes, pode não ter perdido o emprego, mas corre o risco de ficar sem programa. O presidente da CBS, Leslie Moonves, já fala sobre a possibilidade de acabar com a edição de meio de semana da atração. O veterano jornalista, que faz parte da equipe do programa das quartas-feiras, teria como única opção juntar-se à da versão dominical, cujos funcionários estão irritados com Rather pelo prejuízo causado à marca 60 Minutes.
Insatisfeitos também estão alguns críticos do relatório de Boccardi e Thornburgh. Os dois auditores ‘expõem um monte de indícios de parcialidade política, muito poucos indícios de isenção, e depois botam as mãos ao alto’, reclama Jonathan Last em artigo na Weekly Standard, o palco preferido dos neocon (os chamados neoconservadores). ‘Rather fica sentado, insistindo em que os documentos não importam e que a reportagem está correta’. Steve Roberts, ex-repórter do New York Times e professor da George Washington University, concorda: ‘Eles não quiseram apenas dar um furo; quiseram dar um furo com uma matéria que fosse crítica ao presidente’.
De todo modo, Bush os republicanos saíram fortalecidos da história e têm finalmente um exemplo concreto de que a grande imprensa publica histórias falsas que os prejudicam, ponto de vista que sempre defenderam. Em outubro, o candidato democrata John Kerry, num debate, disse que duas grandes emissoras haviam afirmado que uma propaganda eleitoral de Bush era falsa. O presidente aproveitou: disse não ter certeza de que citar grandes organizações jornalísticas seja ‘digno de credibilidade’. Com informações do Washington Post [11 e 12/1/05], da CBS News [10/1/05] e do New York Times [14/1/05].