‘No domingo passado, a reportagem de apresentação do jogo entre São Paulo e Goiás pelo Campeonato Brasileiro abria assim: ‘Mais do que tentar emplacar a quinta vitória seguida e engrenar de vez no Campeonato Brasileiro, o São Paulo entra em campo hoje contra o Goiás, às 18h30, no Morumbi, para atingir uma marca histórica: completar mil jogos na principal competição do país’.
A meu ver, a frase simboliza uma inversão de valores jornalísticos que vem se firmando na cobertura de esportes da Folha há muitos anos: considerar o que é interessante, mas complementar (retrospecto histórico, marcos estatísticos), mais importante do que o fundamental (o fato, o acontecimento).
Como seria possível o São Paulo não atingir a ‘marca histórica’ dos mil jogos, exceto se não entrasse em campo para jogar? Como seria possível considerar mais importante simplesmente acabar a partida, e não vencê-la e, em consequência, atingir o grupo dos quatro primeiros do campeonato?
Claro que alguns eventos numéricos são mais importantes do que o evento. Por exemplo, todo mundo se lembra do milésimo gol de Pelé (registrado no documentário indicado ao fim deste texto) e quase ninguém do placar daquele jogo do Santos contra o Vasco, que ocorreu 40 anos atrás, no Dia da Bandeira (19 de novembro).
Faz quase um quarto de século que esta Folha resolveu dar ênfase às estatísticas na cobertura esportiva. A Redação pediu ao Datafolha para fazer a computação de tudo o que acontecia nas partidas. E o jornal publicava com destaque os resultados aferidos.
À época, o jornal foi ridicularizado pela maior parte da crônica esportiva por estar burocratizando o que devia ser apenas arte. Um pouco, aliás, como os técnicos de futebol eram acusados de fazer com a própria modalidade.
Acho que a Folha acertou ao apostar num tratamento mais frio, objetivo, comprovável do que até então era basicamente cuidado com impressionismo, paixão, palpite.
Mas erra quando usa a estatística como elemento superior ao que faz do futebol provavelmente seu maior atrativo, que é o fato de a bola correr mais do que os homens, como diz o título do livro recomendado abaixo, ou seja, a absoluta imprevisibilidade do que vai acontecer em campo a cada 90 minutos, apesar de todas as séries estatísticas e dos retrospectos numéricos.
Os exemplos são inúmeros. Vou citar só um. Em 25 de fevereiro, o jornal destacou que o São Caetano era o time no Campeonato Paulista que tinha jogado as partidas com menor número de gols, o que permitia antever um placar apertado para o jogo daquele dia contra o Palmeiras, que acabou sendo o mais dilatado da competição (4 a 3).
Como explica Roberto DaMatta, ‘o que conta no futebol não é bem a treinada vontade humana, mas a sensual e caprichosa bola. Bola que simboliza a gratuidade da vida e, de quebra, representa a sorte e o azar’.
PARA LER
‘A Bola Corre Mais que os Homens’, de Roberto DaMatta, Rocco, 2006 (a partir de R$ 21,73)
PARA VER
‘Pelé Eterno’, de Anibal Massaini Neto, 2004 (em locadoras de vídeo e em sites de compra e venda)’
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‘Para pensar a felicidade e a velhice’, copyright Folha de S. Paulo, 16/8/09.
‘Abílio Diniz é um grande empresário. Suas opiniões sobre negócios, economia, empreendedorismo, governança estão lastreadas por inegáveis êxitos nessas áreas de atividade.
Como filósofo, pensador, artista, investigador dos meandros da psique humana, seus atributos não são indiscutíveis a ponto de justificar o destaque e espaço dedicados aqui ao lançamento de seu site com ‘receitas de felicidade’.
Com chamada de capa e entrevista de página inteira em que todas as perguntas (menos uma) eram ‘levantadas de bola’ para o entrevistado cortar, o jornal avalizou suas opiniões sobre os mistérios da alma como importantes para a sociedade.
O mais desagradável é que o mote para os títulos é similar ao da campanha publicitária da rede de supermercados que pertence a Diniz. Se ocorreu por acaso, foi ironicamente uma infelicidade.
Se houve intenção, é preocupante. Pelo menos uma leitora, que se manifestou ao ombudsman nesses termos, acha que a barreira entre publicidade e jornalismo se rompeu: ‘[essa entrevista]… é antijornalística, é pura propaganda’. Quem quiser refletir sobre felicidade e envelhecimento estará mais bem servido se ler o livro e assistir ao filme recomendados abaixo.
PARA LER
‘Felicidade’, de Eduardo Giannetti, Companhia das Letras, 2002 (a partir de R$ 29,60)
PARA VER
‘Morangos Silvestres’, de Ingmar Bergman, 1957 (a partir de R$ 42, 40)
Texto Anterior: A bola corre mais que os homens’
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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 16/8/09
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