‘Dizia-se antigamente que, para não colocar em risco a unidade familiar ou dos amigos, o melhor é não discutir futebol, política e religião. São assuntos que têm a capacidade de mobilizar interesse e emoção intensas em muitas pessoas que com frequência se identificam com time, partido e igreja com grande paixão e pequena racionalidade.
Infelizmente para jornalistas, é impossível não tratar dos dois primeiros desses temas. Religião, curiosamente, aparece pouco por comparação na agenda dos veículos de comunicação brasileiros, inclusive a deste. Neste mês, no entanto, entrou na pauta da Folha com inusitada frequência.
Depois de não dar nenhuma importância ao acordo entre Brasil e Santa Sé assinado em novembro, o jornal despertou agora quando sua ratificação é debatida na Câmara.
Mas ainda há muito a fazer. A tramitação prossegue, e uma proposta de ‘lei geral das religiões’ está também em discussão. No dia 11, a manchete deste diário foi sobre a abertura de ação criminal pela Justiça contra dirigentes da Igreja Universal do Reino de Deus. Todas as reportagens publicadas foram corretas.
Mas o jornal deixou de abordar aspectos fundamentais, como quais são os traços que distinguem a Iurd de outras denominações evangélicas. Isso teria ajudado a evitar a percepção de alguns leitores de que a edição permitiu confundir a Iurd com as demais. Também se perdeu a oportunidade de estimular debate essencial para a sociedade sobre a confluência de religião, política partidária e meios de comunicação, que tem a ver não apenas com a Iurd.
A iniciativa do Ministério Público para retirar símbolos religiosos de repartições públicas, noticiada no dia 5, rendeu alguma reflexão sobre a laicidade do Estado e se ela tem sido devidamente respeitada. Mas, de novo, não com muita profundidade.
Similarmente ao Estado, jornal para público amplo e diversificado, como este, deve ser laico. Essa tem sido a profissão reiterada pela Folha. Mas quando temas religiosos são enfocados com mais constância, como agora, surgem acusações de que ela favorece ou persegue esta ou aquela igreja, como ocorre com relação a times de futebol e partidos políticos.
A dificuldade de cobrir com isenção e exatidão assuntos referentes a religiões é clara e notável. Superá-la exige investimento não desprezível de estudo e dedicação. Não só a sensibilidade do público neste terreno é enorme como é imensa a complexidade das diferenças entre as igrejas e no interior de cada uma, conforme se pode ter noção com a leitura do livro abaixo indicado.
Mais do que conhecimento intelectual, lidar com religiões exige apurada sensibilidade. O filme recomendado a seguir mostra como abordar esses temas de maneira sutil, delicada, mas de modo nenhum superficial. Claro que isso é sempre menos complicado de fazer na arte do que no jornalismo.
PARA LER
‘Os Monoteístas’, volume 2 (As Palavras e a Vontade de Deus), de F. E. Peters, tradução de Jaime Clasen, Editora Contexto, 2008 (a partir de R$ 49,56)
PARA VER
‘Nada é para Sempre’, de Robert Redford, com Brad Pitt, 1992 (a partir de R$ 9,90)’
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‘Nada além do bate-boca’, copyright Folha de S. Paulo, 23/8/09.
‘Diz muito sobre o nível de qualidade da política brasileira e de sua cobertura jornalística o fato de um dos assuntos que mais os empolgam há semanas ser um bate-boca que envolve até o presidente da República sobre se ocorreu ou não um encontro entre ministra de Estado e secretária da Receita Federal.
Desde que Dilma Rousseff negou ter tido reunião com Lina Vieira, uma das prioridades máximas do bom jornalismo deveria ter sido apurar como são registradas as agendas de autoridades públicas no país.
Mas esse aspecto foi timidamente abordado pela Folha nas reportagens sobre o caso, que se concentraram nos ataques desferidos mutuamente pelos personagens.
É inconcebível, sob o prisma da necessária transparência das atividades dos agentes públicos, que nenhuma das partes possa provar com documentos se elas se reuniram ou não.
Para a sociedade, o único efeito positivo desse entrevero seria a instauração de novas práticas de registro documental pelo menos de quem entra e sai de locais de trabalho de funcionários públicos, similares às que já existem em escritórios e condomínios privados.
Se isso depender da vontade editorial demonstrada até agora por este jornal, nada irá mudar.’
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‘Onde a Folha foi bem…’, copyright Folha de S. Paulo, 23/8/09.
‘AFEGANISTÃO
Excelente a cobertura da eleição presidencial afegã
MÉDICI E NIXON
Importante revelação exclusiva no domingo sobre contatos entre Brasil e EUA para minar o governo Allende no Chile
GILBERTO GIL
Boa reportagem e entrevista na sexta sobre pedido de incentivo fiscal para DVD e show feito pelo ex-ministro da Cultura
…E ONDE FOI MAL
DATAFOLHA
Dado da pesquisa de intenção de voto subestimado pela Redação: 42% dizem que o apoio de Lula a um candidato podem fazê-los votar nele
JOGO NA PALESTINA
Novamente, em seções diferentes, jornal diz que jogo Corinthians e Flamengo na Palestina foi cancelado e vai ocorrer
ASSUNTOS MAIS COMENTADOS DA SEMANA
1. José Sarney
2. Pesquisa Datafolha
3. Dilma versus Lina
PRÓ-MEMÓRIA
Hoje faz dez semanas seguidas que o assunto mais comentado por leitores com o ombudsman é José Sarney.’