Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Carta aberta à presidenta da República

Prezada presidenta Dilma Rousseff,


No primeiro semestre do ano passado, quando países e instituições fundamentalistas-belicistas, como Estados Unidos, Otan e Israel, estavam preparando uma invasão ao Irã sob o pretexto hipócrita de que este país esta(va) enriquecendo urânio com o objetivo de produzir bombas atômicas, Lula e o premiê turco, Recep Tayyip Erdogan, reuniram-se com o presidente do Irã, Ahmadinejad, e orquestraram um acordo sem precedentes (porque sem a tutela dos países centrais) com o governo iraniano, desarmando todos os armados argumentos para as sempre ‘necessárias guerras humanitárias e justiceiras’, urdidas rotineiramente pelo imperialismo ocidental contra este ou aquele país.


E ainda, como se não bastasse a ousadia do acordo feito com o Irã, contra todos os sensatos céticos do Ocidente, Brasil e Turquia, no coração do poder despótico da ONU – o Conselho de Segurança –, tiveram a coragem de dizer não a um novo pacote genocida de punições internacionais contra Irã. Com esse duplo ousado gesto internacional, o governo Lula alcançou de vez um legítimo lugar – merecedor de Nobel da Paz – na história contemporânea, de vez que associou, de forma ousada, estratégia geopolítica, inteligência anti-imperialista e defesa da paz mundial, além de defender os interesses da economia brasileira, pois sua plasticidade para agir, sem o consentimento prévio do imperialismo ocidental, colaborou para tornar o Brasil um país mais respeitado em todo o mundo, razão suficiente para facilitar novos acordos comerciais com muitos outros países não ocidentais, diversificando assim nossa economia.


As principais feministas do patriarcado


É claro que o sistema de desinformação brasileiro, como o Partido da Imprensa Golpista, PIG, só fez questionar o governo Lula e o seu ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, alegando toda sorte de servilismos inscritos no seguinte, venal, covarde, acomodado, conveniente e colonizado campo semântico: ‘O Brasil não pode de forma alguma ficar contra os Estados Unidos’; ‘Lula dialoga com ditadores‘; ‘O Brasil não pode se meter, principalmente como protagonista, em política internacional’; ‘Como ocidentais que supostamente somos, temos que seguir as determinações da oligarquia ocidental; ‘Contrariar o consenso que sedimenta a paz dos cemitérios dos colonizadores é nadar contracorrente e uma forma de dar um tiro no pé, pois nossos principais interlocutores político-econômicos devem ser, como é natural, os Estados Unidos e suas multinacionais; ‘É loucura, irresponsabilidade e perigoso ter autonomia e, por consequência, agir com vistas a uma política internacional de interdependências soberanas entre os países, pois nosso honroso lugar na história é o de sermos lacaios dos colonizadores, situação que não é de toda ruim, se considerarmos que a elite deste ‘país de ignorantes’ sempre obtém seu quinhão por bons serviços prestados aos carrascos padrastos fundadores’. E assim por diante.


Eis que, no frigir dos ovos, Lula consegue eleger sua sucessora e esta opta por fazer omeletes com a recém-convertida Ana Maria Braga no programa Mais Você, da Rede Globo, enquanto a Líbia está na iminência de ser invadida pelo verdadeiro eixo do mal, composto pelos seguintes países e suas bélicas instituições: Estados Unidos, suas forças armadas; países da Europa e sua (?) Otan; e Israel, com sua própria Gestapo ou sinistras polícias secretas. Aí está o eixo do mal que interessa: um verdadeiro triângulo edípico que nos aterroriza a todos, sem cessar.


Demonstrando falta de visão estratégica e indisposição para a política externa, para não sugerir outras possibilidades, a presidenta Dilma Rousseff, se considerarmos sua presença neste início de março no programa das duas principais vedetes da TV brasileira, Ana Maria Braga e Hebe Camargo, parece, por enquanto, preferir a intimidade de um patriarcal feminismo frouxo, de ‘mulher para mulher’, ou de cozinha para cozinha, razão pela qual penso serem pertinentes as seguintes interrogações: como mulher, a presidenta Dilma Rousseff vai fazer opção pelo feminismo patriarcal, que é o feminismo em que a dimensão pública, sobretudo a dimensão pública mundial, não pode ser assunto de mulher, posto que o lugar da mulher é ou na cozinha, fazendo comida; ou no quarto, procriando; ou no mundo da moda, da inveja, da futrica, da banalidade? Se assim for, é por isso que Dilma – no mês do dia internacional da mulher, 8 de março – fez opção de dar longas e chamativas entrevistas precisamente para as duas principais feministas do patriarcado da Casa Grande da TV brasileira, Ana Maria Braga e Hebe Camargo? Como mulher, Dilma não tem que dar confiança para uma região governada por homens, como o Oriente Médio e o norte da África?


Pressões religiosas e sediciosas


Se uma presidenta, como ‘legítima’ mulher a serviço do patriarcado, deve contemplar a dimensão do dentro, a intimidade, e emoção, a casa, ou o próprio país concebido como o lugar de nossa pátria, de nossa casa nacional, então significa que Dilma vai priorizar o Brasil profundo em detrimento da política exterior? É por isso que os juros andam subindo no princípio de seu governo? Juros altos constituem uma sensível inteligência feminina em benefício dos pobres? Juros altos servem para combater a inflação imobiliária, esta mesma que põe o valor da digna casa nova, assim como do aluguel, inviáveis para o brasileiro comum?


Ter optado pelo embaixador Antonio Patriota, no lugar de Celso Amorim, para ser o seu ministro das Relações Exteriores justifica-se porque Patriota é a própria banalidade em carne, verbo e inação? Será que, dentro do feminismo patriarcal, Patriota é mais feminino que Celso Amorim, uma vez que ele só sabe obedecer aos poderosos patriarcas do Ocidente? Quer dizer que ser feminino ou homem delicado só é possível obedecendo o poder masculino global? É por isso que a mineira Maria Luiza Viotti, como atual porta-voz do cadinho alquímico do patriarcado ocidental, o Conselho de Segurança da ONU, anda fazendo pronunciamentos tão afinados com os interesses bélicos do imperialismo americano-israelense? O verdadeiro lugar da mulher é o de fazer-se como ventríloquo dos poderosos homens, como costela de Adão?


Frequentar tais badalados programas de e para mulheres, como o de Ana Maria Braga e o de Hebe Camargo, é uma forma de dizer aos poderosos homens donos da mídia brasileira que democracia midiática e liberdade de expressão são prerrogativas naturais e indissolúveis dos desejados homens ricos deste e de todos os quadrantes? Então é a Dilma que está se convertendo às pressões religiosas e sediciosas do midiático poder patriarcal, financeiro, americano, multinacional?


O poder do Ocidente colonizador


Lula foi mais mulher que a senhora tem sido agora, quando ele ousou atuar no cenário global em nome da paz? Como mulher, presidenta, defender a paz em todos os lugares não é a melhor forma de produzir um feminismo digno, não patriarcal? Por que, como mulher, presidenta, não aproveitou sua presença nos programas das vedetes da TV brasileira para falar abertamente a favor da paz e, portanto, explicitamente contra a invasão da Líbia pela mal chamada ‘comunidade internacional’ (eufemismo para comunidade da oligarquia belicista americana)? Por que não aproveitou para, como uma matriarca legítima, chamar a atenção dos meios de comunicação, dizendo explicitamente que eles não podem cometer os mesmos erros de outrora, como no caso da invasão do Iraque, ao defenderem diariamente a necessidade de uma ‘guerra humanitária’ contra a Líbia? ‘Paz! É paz humanitária que nossos meios de comunicação devem defender!’, por que não disse uma frase tão simples e bonita como essa, presidenta?


Pois saiba, presidenta, que é o presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frias, que está cumprindo esse digno e feminino papel. É Chávez quem está propondo um comitê internacional para a paz, ao invés da guerra. Logo o Chávez que tem toda a pinta de ser um machão. Como o mundo nos surpreende, Dilma. Um homem acusado de ser ditador, um caudilho, embora tenha sido legitimamente eleito por seu povo, é que vem no seu lugar propor a paz, enquanto a senhora fica a ver navios, inclusive com relação aos sucessivos aumentos dos juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central.


Por tudo isso, presidenta Dilma, é bom que saiba, não votamos na senhora para humilhar as mulheres do Brasil, submetendo-as, com sua própria submissão, à lógica milenar do poder patriarcal financeiro, militar, midiático, americano, multinacional. Votamos na senhora para devir-mulher, isto é, para fazer a opção clara e corajosa por todos nós, homens, mulheres; homossexuais femininos e masculinos; crianças, jovens e idosos que milenarmente têm sido vítimas do poder mais antigo da face da Terra: o poder patriarcal, hoje sem dúvida alguma representado pelas armas estetizadas e publicitariamente afeminadas do envergonhado, porque não tem coragem de mostrar a cara, poder do Ocidente colonizador.

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Poeta, escritor, ensaísta e professor na Universidade Federal do Espírito Santo