Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cobertura teve show de informações mal-apuradas

O major Ed Bush, porta-voz da Guarda Nacional americana, lembra-se de como ficou com um megafone em sua caminhonete logo após a passagem do furacão Katrina tentando ajudar a multidão do lado de fora do estádio Superdome a separar os fatos da ficção. Os números que ele trazia sobre os esforços de resgate, suprimentos de água, comida e primeiros socorros desapareceram em meio às informações não-confirmadas que circulavam no maior abrigo de Nova Orleans – boatos que acabaram sendo repassados pela imprensa. O depoimento do major junta-se a outros feitos recentemente e reforça a conclusão de que houve um comportamento exagerado por parte de jornais e redes de TV dos EUA, em especial sobre a superlotação no Superdome e no Centro de Convenções de Nova Orleans.


Números inflados sobre mortes, notícias de estupros não-verificadas e ataques de franco atiradores não confirmados, dentre outros exemplos de mitos sobre o Superdome e o Centro de Convenções, foram tratados como fatos verídicos pelas pessoas que estavam abrigadas nestes locais, pela mídia e até mesmo por autoridades de Nova Orleans. O prefeito da cidade, Ray Nagin, contou no programa da apresentadora Oprah Winfrey, de audiência nacional, que ‘naquela loucura no Superdome, por cinco dias, as pessoas viram cadáveres, assistiram a gangues matarem e estuprarem pessoas’. O comandante de polícia Eddie Compass também participou do programa e afirmou que ‘bebês haviam sido estuprados’ no estádio.


Jornalistas e oficiais que revisaram o desastre do Katrina consideram que houve imprecisão na apuração das notícias, em parte pelo colapso no sistema telefônico, que evitou a disseminação de notícias corretas e bem apuradas para os meios de comunicação. A disputa por furos jornalísticos em meio ao desastre também contribuiu para a imprecisão na divulgação dos fatos – que iam desde o corpo de uma criança achado numa lixeira e tubarões nadando pelas ruas a centenas de corpos estocados no porão do Superdome. ‘É muito fácil começar um boato. Havia 20 mil pessoas no estádio. Lembre-se de como era na escola. Você sussurra algo e alguém ouve. No fim do dia, todos na escola sabem do que você falou – e nunca da mesma maneira’, afirma a tenente Lance Cagnolatti.


Um dia antes do início da principal evacuação do Superdome, a Fox News divulgou um alerta, à medida que o apresentador Alan Colmes reiterava relatórios de ‘roubos, estupros, tumultos e assassinatos.’


O jornal Los Angeles Times alardeou que tropas da Guarda Nacional ‘se posicionaram no telhado do Superdome para procurar por franco atiradores e multidões armadas, enquanto as pessoas abrigadas queriam fugir do estádio’. O New York Times retransmitiu algumas notícias sobre violência e inquietação, mas foi mais cuidadoso ao dizer que as informações não puderam ser confirmadas. O tablóide Ottawa Sun publicou relatos não confirmados de ‘um homem à procura de ajuda que foi atingido por tiros disparados por um soldado da Guarda Nacional e de um jovem que havia fugido e havia sido atingido por um oficial de polícia de Nova Orleans’.


O editor do jornal local Times-Picayune, Jim Amoss, citou o colapso na rede telefônica como a principal causa de erros de apuração, mas afirmou que houve preconceito pelo fato da maioria dos abrigados serem negros e pobres. ‘Se o Superdome e o Centro de Convenções tivessem abrigado um grande número de brancos de classe média, não teriam sido terrenos férteis para este tipo de boatos’, afirmou ele.


Esta semana, autoridades do estado da Louisiana afirmaram que os números de mortos nos dois maiores abrigos da cidade estavam muito abaixo dos divulgados anteriormente pela mídia. Foram retirados dez corpos do estádio e quatro do Centro de Convenções, de acordo com Bob Johannessen, porta-voz do Departamento de Saúde e dos Hospitais da Louisiana. Oficiais da Guarda Nacional alegam que no Superdome havia, na verdade, seis corpos, sendo os quatro restantes foram encontrados na área ao redor do estádio. Das 841 mortes relacionadas ao Katrina, quatro corpos foram identificados como vítimas de tiros – destes, um foi encontrado no estádio, mas acredita-se que teria sido levado para lá, e outro no Centro de Convenções.


As informações mal-apuradas foram ouvidas por rádio pelas pessoas no estádio, o que dificultou a manutenção da ordem no local. ‘Tivemos que convencer as pessoas que aquele era o melhor lugar para se estar. O que eu vi no Superdome era uma grande quantidade de pessoas ajudando umas as outras’, relembra o major Bush. Informações de Susannah Rosenblatt e James Rainey [Los Angeles Times, 27/9/05].