‘Mais uma organização de jornalistas manifestou publicamente suas críticas em relação à expulsão do jornalista Larry Rohter do Brasil. Desta vez, foi a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), que enviou nota à imprensa, afirmando que a ‘retaliação ao jornalista americano não combina com a tradição democrática do nosso país, que continuará percorrendo os caminhos da paz, da liberdade, da justiça social e da fraternidade entre os povos’.
Leia a nota na íntegra:
‘Jornalistas brasileiros repudiam a reportagem do Times e a expulsão do correspondente americano’
‘A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) – entidade máxima de representação dos jornalistas brasileiros – une-se a amplos setores da sociedade e dos profissionais de imprensa para lamentar e repudiar, com indignação, a reportagem publicada pelo jornal The New York Times, que tenta desmoralizar não apenas a figura do Presidente da República, mas também toda a nação brasileira.
Ficamos constrangidos com o comportamento do correspondente Larry Rohter, autor da reportagem, que parece não conhecer as preocupações nacionais. Mais constrangidos ao constatar que entre as fontes consultadas para a elaboração da reportagem – caluniosa, difamatória e preconceituosa – há jornalistas brasileiros. Nós todos, que acompanhamos as ações do presidente e todas as manifestações populares, de apoio ou contra o governo, sabemos que a preocupação nacional é com o desenvolvimento sustentado, com a geração de emprego e renda, com a justiça social e melhoria das condições de vida dos menos favorecidos.
Também é preocupação do Brasil e de seu povo a construção da paz mundial, preocupação que deve ser também a dos cidadãos norte-americanos, embora tenham um governo que prefere o lamentável caminho da guerra, da intervenção em outras nações, dos massacres de populações civis e do desrespeito à cultura e às tradições de outros povos; um governo que usa a violência e a tortura contra seus adversários, como ocorre atualmente na base de Guantânamo e no Iraque.
Porém, mesmo reconhecendo que os ataques ao dirigente máximo de nosso país tenham como único objetivo tentar ferir a imagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, escolhido pela própria imprensa americana como a mais forte liderança na América Latina e colocado entre os principais dirigentes do mundo; mesmo reconhecendo que a vitória do Brasil na Organização Mundial do Comércio contra a política norte-americana de subvenção à produção de algodão; que a firme posição de nosso governo nas negociações da Alca e em questões que contrariam os interesses hegemônicos dos Estado Unidos, expliquem a campanha difamatória que ora se inicia, não podemos concordar de forma alguma com a cassação do visto do jornalista Larry Rohter e com sua explusão do país.
A retaliação ao jornalista americano não combina com a tradição democrática do nosso país, que continuará percorrendo os caminhos da paz, da liberdade, da justiça social e da fraternidade entre os povos. Queiram os Estados Unidos ou não.
Brasília, 12 de maio de 2004. Federação Nacional dos Jornalistas’’
Veja
‘Eles também expulsaram jornalistas’, copyright Veja, 19/05/04
‘‘A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que sonegam ou roubam, percebe onde lhe alvejam ou nodoam, mede o que lhe cerceiam ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça.’ A frase de Rui Barbosa explica por que faz parte do manual básico dos ditadores cercear a liberdade de expressão e de imprensa – é dessa forma que eles tentam tapar os olhos dos cidadãos. E, quando não basta calar os jornalistas de seu próprio país, os tiranos expulsam correspondentes estrangeiros que reportam lá fora o que não lhes interessa que o mundo saiba. Em 1970, por exemplo, no governo do general Emílio Garrastazu Médici, o jornalista francês François Pelou, que chefiava a sucursal da agência France Presse no Rio de Janeiro, viu-se obrigado a sair do Brasil por ter noticiado as condições impostas pelos seqüestradores esquerdistas do embaixador suíço Giovanni Bucher. Médici figura ao lado do chileno Augusto Pinochet e do aiatolá iraniano Khomeini, entre as mais de duas dezenas de personalidades sinistras que expulsaram jornalistas estrangeiros do território de seu país nos últimos 35 anos.
Ditadores também podem lançar mão de outros métodos para livrar-se de correspondentes. É o caso do cubano Fidel Castro, que costuma infernizar a vida dos repórteres forasteiros que ousam incomodá-lo além da conta. Em todas as ditaduras, não importam a latitude ou a coloração política, o argumento para expelir jornalistas estrangeiros é sempre o mesmo: o profissional foi ‘irresponsável’ ao dar esta ou aquela notícia ou promoveu ‘um ataque à soberania do país’ ao descrever de maneira pouco agradável o ditador em questão. Infelizmente, as semelhanças com as palavras dos comissários de Lula, para justificar a cassação do visto do correspondente americano Larry Rohter, são mais do que uma coincidência. Revelam um viés autoritário de um governo eleito de forma democrática – viés que causou uma nódoa incancelável, independentemente do desfecho do episódio.’
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‘Os limites de cada um’, copyright Veja, 19/05/04
‘Muitos relatos dão conta de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem alta resistência aos efeitos do álcool. Ele raramente se embriaga e, quando bebe em companhia de outras pessoas, é o último a ficar mais alegre. A bebida não embarga sua fala nem parece diminuir sua capacidade de raciocínio. À luz da ciência, não é difícil entender por que o organismo de algumas pessoas tolera melhor o álcool, especialmente em sua propriedade de entorpecer os sentidos e a capacidade intelectual. O álcool provoca efeitos de intensidade diferente nas pessoas, dependendo de uma série de fatores. Quanto mais robusta a compleição física do bebedor, principalmente seu peso e a quantidade de gordura acumulada, mais álcool ele pode consumir sem comprometer suas funções e reflexos.
Os médicos estimam que um homem adulto possa consumir até três doses diárias sem maiores preocupações. O conceito de dose é estabelecido pela quantidade de álcool contida numa latinha de cerveja ou numa medida de uísque ou numa taça de vinho – que é a mesma, apesar da diferença de volume de cada bebida. Homens e mulheres reagem de forma diferente à bebida. Elas ficam alteradas com quantidades menores do que eles. Isso ocorre, em parte, porque as mulheres têm em menor quantidade a enzima responsável pelo metabolismo do álcool no fígado e no estômago. O corpo feminino também contém menos água do que o masculino. Como a água é o principal diluente do álcool no organismo, as mulheres apresentam níveis alcoólicos mais altos no sangue do que os homens após ingerir a mesma quantidade de bebida.
A história registra inúmeros casos de estadistas cuja atração por um bom copo não afetou negativamente suas obrigações no cargo. O inglês Winston Churchill, que cumpriu dois mandatos como primeiro-ministro entre as décadas de 40 e 50, costumava tomar champanhe (da marca francesa Pol Roger) no café-da-manhã, vinho e conhaque nas refeições e, a qualquer hora, uísque com soda. Com essa dieta alcoólica, ele conduziu a Inglaterra da derrota iminente para a vitória na II Guerra e foi uma das mentes mais brilhantes de seu tempo. Certa vez, num jantar, uma senhora o repreendeu por estar de pileque. Ele retrucou: ‘Sim, madame, estou bêbado, mas amanhã acordarei sóbrio e a senhora continuará feia’. Em 1954, o ministro de Relações Exteriores Anthony Eden o encontrou fazendo a barba às 9 e meia da manhã… com um copo de uísque na mão. Churchill tinha 80 anos.
Presidente checo entre 1989 e 2003, Vaclav Havel, ao receber visitantes estrangeiros ilustres (entre eles o presidente americano Bill Clinton), tinha por hábito guiá-los em longas excursões pelos bares de Praga, ao fim das quais se mostrava excepcionalmente falante e animado. Certa vez, numa visita oficial aos Estados Unidos, ele adiou um compromisso com autoridades locais, foi tomar cerveja num restaurante e terminou na platéia de um show do roqueiro John Cale. Como Havel é também dramaturgo e artista, não houve escândalo. Nem todos os presidentes convivem harmoniosamente com a bebida. Boris Ieltsin, que governou a Rússia por oito anos, volta e meia aparecia em público cambaleando ou enrolando a língua. Certa vez, não conseguiu sair do avião ao chegar à Irlanda e deixou o comitê oficial de recepção esperando na pista. De outra feita, em seu próprio país e diante das câmeras de TV, aplicou uma sonora palmada no derrière de uma funcionária do governo – ela não achou a menor graça, é claro. A verdade é que a bebida não impediu que Ieltsin implantasse a democracia nos escombros da União Soviética e colocasse um ponto final na Guerra Fria.
As bebidas alcoólicas acompanham a humanidade desde seus primórdios. Estudos arqueológicos mostram que o homem do período Neolítico, antes mesmo de dominar as técnicas da agricultura, já as fabricava e consumia. Acredita-se que a invenção do vinho decorra da observação feita na pré-história do alvoroço dos passarinhos depois de bicar uvas nas parreiras. Referências estão presentes no Antigo Testamento, na célebre descrição de Noé celebrando o fim do dilúvio, ‘plantando videiras e conhecendo a embriaguez’, e nas tumbas dos faraós egípcios. Na Grécia e na Roma antigas o vinho, a cerveja e a sidra eram usados tanto nos rituais religiosos como nas festas pagãs, que muitas vezes terminavam em orgias de álcool e sexo. Faz parte da condição humana buscar meios de transcender a realidade, e o álcool serve bem a esse propósito. Os índios brasileiros usam uma beberagem fermentada em seus rituais. Os exércitos napoleônicos consumiam milhões de litros de vinho e, na II Guerra Mundial, a ração militar dos franceses incluía 1 litro diário para cada soldado. Evidentemente, a soldadesca soviética recebia vodca.
Raízes plantadas na história do Velho Mundo e, posteriormente, nas Américas foram moldando os hábitos atuais de cada país no que se refere às bebidas alcoólicas e também a maior ou menor tolerância de cada sociedade com relação a elas. No Brasil, onde o imaginário popular associa o álcool – e principalmente a cerveja – a comemorações, encontros entre amigos e ocasiões festivas, o ato de beber é encarado como uma espécie de travessura simpática e sem maiores conseqüências. Empurrado pelo baixo preço das bebidas, principalmente da cachaça, o país consome anualmente 4,8 litros de bebidas alcoólicas per capita, contra 1,9 litro no início dos anos 60. Ainda assim, nada que se compare ao que ocorre nos países do Leste Europeu, que em média consomem 14 litros per capita, e nos países nórdicos, cuja cifra é de 8,2 litros. Na França, o vinho está tão arraigado na cultura nacional que freqüentemente se oferecem pequenos goles às crianças para que elas aprendam cedo a apreciá-lo. Nos Estados Unidos, isso daria cadeia. Embebidos do puritanismo trazido pelos pioneiros protestantes, os americanos desenvolveram um preconceito contra as bebidas alcoólicas que se sustenta mais no discurso do que na prática. Nunca se consumiu tanto álcool nos EUA quanto na vigência da Lei Seca, entre 1920 e 1933. Hoje, o consumo de bebidas alcoólicas pelos americanos é quase duas vezes maior que o verificado entre os brasileiros- 9,1 litros anuais per capita. De qualquer modo, é significativo que os EUA não tenham uma ‘bebida nacional’ exibida ao mundo com orgulho, como ocorre na maioria dos países europeus e latino-americanos. Ainda em 1947, essa postura algo hipócrita com relação às bebidas alcoólicas chamou a atenção de um dos mais ferinos críticos literários e culturais daquele país, H.L. Mencken, que escreveu: ‘Todas as grandes vilanias da história, desde o assassinato de Abel, foram perpetradas por homens sóbrios e, principalmente, por abstêmios. Mas todas as coisas bonitas e encantadoras, desde o Velho Testamento até a sopa bouillabaisse, das nove sinfonias de Beethoven ao coquetel martíni, foram ofertadas ao mundo por homens que, no momento certo, trocavam a água da torneira por líquidos mais coloridos e com algo mais do que oxigênio e hidrogênio na composição’.’
Jornal do Brasil
‘Decisão Desastrada’, Editorial, copyright Jornal do Brasil, 14/05/04
‘O presidente dos EUA, George W. Bush, continua a exibir a surpreendente disposição de abrir frentes de batalha dispensáveis para alguém já forçado a enfrentar problemas reais, urgentes e de bom tamanho. Ele lida no momento com complicações no plano interno e no campo externo. Está em campanha para reeleger-se, administra a questão dos juros americanos e seus efeitos sobre a economia mundial, procura neutralizar os desdobramentos da guerra no Iraque. Mas achoutempo para brigar com Cuba.
Decidido a precipitar o fim do regime comunista liderado por Fidel Castro, Bush determinou a redução do fluxo de dólares para a ilha e ampliar o financiamento dos grupos de oposição ao ditador. no poder desde 1959. Vale repetir os versos do velho poema: ‘Para quê? Para nada’. Pior. As medidas ofereceram temas que começavam a escassear nos discursos do orador incansável que Fidel sempre foi. E mobilizaram centenas de devotos do chefe, irritados com o fechamento de lojas que só vendiam produtos a preços dolarizados. É muita incompetência.
Millôr Fernandes
‘Instituto de Pesquisa Millôr’, copyright Boletim Oficial do Saite do Millôr * Ano 05 * nº 192
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