Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Concorrentes unidos em editorial conjunto

Condenados publicamente pelo presidente George W. Bush e pelo Congresso americano, os três jornais que primeiramente divulgaram o programa secreto de monitoramento financeiro de grupos terroristas publicaram, no fim de semana, editoriais em defesa própria. O New York Times, mais criticado dos três, uniu-se ao Los Angeles Times em artigo assinado por seu editor-executivo Bill Keller em parceria com o editor Dean Baquet, do LATimes, estampado nas páginas dos dois diários [1/7/06].


A iniciativa inédita – dois jornais concorrentes mobilizarem-se para publicar um editorial conjunto – mostra quão grave é a relação do governo com a imprensa nos EUA. O texto, intitulado ‘Quando publicar um segredo?’, discute o esforço da imprensa para conseguir equilíbrio entre a preservação da segurança nacional e a missão de noticiar os fatos. Já o Wall Street Journal publicara, no dia anterior [30/6], texto não-assinado intitulado ‘Quais as obrigações da imprensa em tempos de guerra?’, no qual explica sua decisão de divulgar as informações confidenciais e critica duramente a postura do NYTimes.


Vazamento autorizado


O Journal faz questão de se distanciar do jornalão nova-iorquino em seu editorial; acusa o NYTimes de tentar usá-lo como escudo político e diz que seus motivos para a publicação da matéria sobre o programa secreto são diferentes dos do rival. Conta que o NYTimes descobriu a notícia primeiro e foi alertado pelo Departamento do Tesouro, há dois meses, para que cancelasse a matéria. Quando, depois de negociações com Bill Keller e outros jornalistas do diário, funcionários do Tesouro tomaram conhecimento de que o NYTimes havia decidido revelar o programa, entraram em contato com o repórter Glenn Simpson, do Journal.


‘Simpson vinha trabalhando sobre financiamento do terror há algum tempo, e é uma prática comum em Washington que funcionários do governo revelem uma história que vai ser divulgada de qualquer maneira para mais de um repórter’, explica o editorial, que aproveita para alfinetar o rival. ‘Nosso palpite é que o Tesouro também achou que Simpson escreveria uma história mais correta que a do NYTimes.’


O Journal conta que em nenhum momento funcionários do Tesouro pediram que a informação não fosse publicada. ‘O que os editores do Journal sabiam era que haviam recebido de funcionários governamentais informações que eles não se importavam de ver publicadas. Se isso foi um ‘vazamento’, foi inteiramente autorizado’, defende-se.


Independência e responsabilidade


No editorial conjunto do NYTimes e do LATimes, por outro lado, o clima é de união. ‘Nós somos rivais. Nossos jornais competem todos os dias. Nós aplicamos os princípios do jornalismo individualmente como editores de jornais independentes. Nós concordamos, entretanto, em algumas questões básicas sobre a imensa responsabilidade dada à imprensa pelos inventores deste país’, escrevem Keller e Baquet.


É esta imensa responsabilidade que faz com que os jornalistas tenham uma grande parcela de importância na segurança nacional, afirmam. ‘Nós temos correspondentes junto a tropas no Iraque e Afeganistão. Outros arriscando suas vidas na busca pelo entendimento da ameaça terrorista; Daniel Pearl, do Wall Street Journal, foi assassinado em uma missão como essa. Nós, e as pessoas que trabalham para nós, não somos figuras neutras na luta contra o terrorismo.’


Os editores defendem que os atentados terroristas não têm como objetivo apenas destruir vidas e edifícios, mas matar também liberdades e valores democráticos. ‘Se a liberdade de imprensa preocupa alguns americanos, isso é um anátema aos ideólogos do terror’. Keller e Baquet argumentam que seu trabalho, principalmente em momentos como este, é levar aos leitores informações que permitirão que eles julguem por si próprios se seus líderes eleitos estão lutando pelo bem da nação, e por qual preço isso é feito.


O artigo explica que a decisão de publicar um dado confidencial não é nada fácil. ‘Histórias sensíveis não caem em nossas mãos. Elas podem começar com uma dica de uma fonte em luto ou com culpa na consciência, mas essas dicas são apenas o começo de um longo trabalho’, dizem os editores, ressaltando que ‘repórteres operam sem passes livres de segurança, sem poderes de intimação, sem tecnologia de espionagem. Eles trabalham, por outro lado, com fontes que podem estar assustadas, que podem saber de apenas parte da história, que têm seus próprios interesses. Nós checamos duas e três vezes. Nós procuramos fontes com diferentes pontos de vista. Nós desafiamos nossas fontes quando surgem informações contraditórias’.


Depois de toda a apuração, as pessoas envolvidas ou citadas em qualquer acusação ou supostamente responsáveis por um programa secreto recebem a oportunidade de resposta, sustenta o texto. ‘E se elas querem argumentar que a publicação da história representa perigo à segurança nacional, nós paramos tudo e ouvimos respeitosamente.’


Ainda assim, Keller e Baquet afirmam entender que pessoas honradas discordem da decisão de publicar ou não determinada informação. ‘Mas tomar esta decisão é responsabilidade dos editores, resultado do grande presente que é nossa independência. Não é uma responsabilidade que levamos de maneira leve. E não é algo que podemos entregar ao governo.’