Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Controle estatal não é solução

Que não haja dúvida nenhuma desde o início da discussão: o que os jornalistas responsáveis pelo jornal News of the World fizeram foi crime, que merece punição. Invadir caixas de mensagens de telefone de qualquer pessoa e subornar autoridades para obter informações não é jornalismo e não está sob a guarida de nenhuma legislação aceitável.

Daí a usar o episódio para justificar maior controle do Estado sobre o jornalismo, como políticos conservadores britânicos estão pleiteando agora, em manobra claramente demagógica e defensiva (já que eles mesmos de algum modo foram coniventes com os abusos do jornal que deixou de existir), vai uma enorme distância.

A Grã-Bretanha já tem regulação sobre a imprensa que é muito mais estrita do que a dos EUA. Aliás, poucos países no mundo (EUA e Brasil entre eles) oferecem garantia constitucional à liberdade de expressão. Os britânicos adotam leis para punir difamação, injúria e calúnia muito mais rigorosas do que a da maioria das nações.

Além disso, a interpretação que em geral se dá à defesa da privacidade tem motivado diversas situações em que a Justiça impõe censura prévia não apenas a veículos tradicionais de comunicação, como aos novos meios, como blogs e Twitter.

Para rechaçar

Por exemplo, pouco antes de eclodir a crise do News of the World, um jogador de futebol inglês ganhou o que se chama de “super-injuction”, medida legal que impede preventivamente qualquer meio de comunicação de nomear a pessoa que é beneficiária dessa decisão em vinculação a determinados temas.

Muitos blogueiros e twitteiros que costumam advogar vigorosamente o “controle social da mídia” devem ter se assustado quando a Justiça britânica obrigou Twitter, Facebook e similares a identificar quem desobedeceu a “super-injunction” para responder criminalmente pela insubordinação.

O assunto ainda não está encerrado, já que Twitter e outros veículos da chamada mídia social estão resistindo à agressão da Justiça. Mas é notável que alguns dos opositores dos veículos “antigos” agora sintam como é fundamental para todos lutar pela liberdade de expressão.

A racionalidade da Justiça britânica é de que blogs e Twitter são atividades públicas, não privadas e, assim, sujeitas às mesmas restrições de jornais e emissoras de rádio e TV.

A Grã Bretanha também é um caso interessante porque ali existe uma das mais antigas experiências de autorregulação do jornalismo de que se tem notícia. A Press Complaints Commission está sendo um dos alvos prediletos dos políticos conservadores pelo seu papel no caso do News of the World.

Da mesma forma que a Scotland Yard e os políticos em geral, a Press Complaints Commission também foi leniente com o jornal agora fechado de Murdoch, ainda que não tenha sido subornada por ele.

Murdoch impunha tal temor a quase todas as figuras públicas na Grã-Bretanha que elas preferiam fazer vistas grossas aos desatinos que seus veículos cometiam para evitar retaliação ou obter simpatia.

Mas, embora nesse caso a Press Complaints Commission também mereça exame crítico e eventual condenação, não se pode fazer tábula rasa da experiência acumulada por ela com resultados frequentemente positivos para a sociedade e para a mídia.

Seu histórico deve ser examinado no detalhe pela Associação Nacional dos Jornais, que está se propondo agora, no Brasil, a iniciar alguma forma de autorregulação, que é mais necessária do que nunca, aqui e no mundo todo.

A resposta fácil e demagógica de pedir mais Estado para supostamente impedir que se repitam incidentes lastimáveis como o do News of the World deve ser rechaçada frontalmente por todos os que lidam com comunicação social: empresas, jornalistas, blogueiros, internautas. E pela sociedade, que será a maior vítima, caso ela prospere.

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[Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista]