Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Copo meio cheio ou meio vazio?

Em tempos de BuzzFeed, listas e rankings chamam a atenção e fazem sucesso nos portais de notícia. O que pode ser um recurso classificatório de fácil visualização, pode torna-se – em muitos casos com empurrãozinho intencional – desinformador. É o que muitas vezes acontece com as manchetes dos grandes jornais. Por isso vale a pena, para quem gosta de “ranquiamentos”, ir um pouco mais a fundo e chegar à notícia de fato.

Exemplo: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi destaque em quase todos os portais do país perto do natal passado. A desinformação prevaleceu e o que era detalhe se tornou manchete.

Folha de S.Paulo: “Brasil cai no ranking global de desenvolvimento humano da ONU”.

Estadão: “Brasil perde posição e fica em 75º em ranking de desenvolvimento da ONU, atrás do Sri Lanka”.

G1: “Brasil cai uma posição e é 75º no ranking do IDH”.

O Estado de Minas: “Brasil perde uma posição no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU”.

Zero Hora: “IDH: Brasil perde posição para o Sri Lanka e é 75º em ranking”.

Jornal do Commercio: o “Brasil fica em 75º no ranking de Desenvolvimento Humano, atrás do Sri Lanka”.

Duas impressões ficam: primeiro, a de que a maioria dos grandes jornais são tão iguais, com os mesmos discursos, que parecem terem o mesmo editor; em seguida, que notícia ruim é sempre melhor (ou mais fácil) para se fazer manchetes.

Criado pelo paquistanês Mahbub ul Haq, juntamente com o Nobel de economia Amartya Sen, o IDH utiliza mecanismos mais complexos de análise do que a tradicional somatória das riquezas produzidas por um país, o Produto Interno Bruto (PIB). A insuficiência do PIB como ferramenta de análise é conhecida por todos: por mais que as riquezas produzidas sejam grandes, sua concentração em poucas mãos é sinônimo imediato de pobreza e más condições para a maioria da população. Diferentemente deste último, o IDH se baseia nas dimensões de renda, saúde e educação. A mudança do foco é evidente. Por isso que, mesmo ainda sendo limitado no que tange a todos os aspectos do desenvolvimento humano, o IDH pode ser considerado um avanço metodológico.

Pequenas variações são muito comuns

Cento e oitenta e oito países são avaliados. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão responsável por produzir os relatórios anuais do IDH, nas últimas duas décadas o Brasil registrou um “progresso impressionante” na redução das desigualdades e melhoria do desenvolvimento humano. De lá pra cá, nosso IDH continuou em linha de crescimento: de 0,493 em 1991 para atuais 0,755. A medida vai de 0 à 1, ou seja, quanto mais perto de 1, melhor. O que chama a atenção no caso brasileiro é o fato de que, dos três índices que compõe a análise metodológica desenvolvida pela PNUD, é a renda a que menos se modifica. Os dados que melhoram mais significativamente entre os brasileiros – educação e longevidade (saúde) – são claras evidências de que políticas sociais têm forte peso na melhoria de condições de vida e diminuição de desigualdades.

Voltando às manchetes: para quê destacar que o IDH melhorou, que vem numa linha crescente, não factual, mas robusta, se é possível chamar a atenção que o Brasil caiu uma posição no ranking e colocá-la na espiral da crise política?

Estamos longe de dizer que está tudo ok com o desenvolvimento humano brasileiro. É óbvio que não está bom e que há muito o que melhorar. Mas a panaceia dos jornalões por rankings (que vai de futebol à política, de beleza feminina a cursinhos preparatórios para vestibular) é tão caricata, rasa e obscura que serve apenas para confundir o leitor e ocultar, talvez, alguma intencionalidade editorial. É claramente perceptível que há três grandes grupos subdivididos nesse ranking e que pequenas variações entre países de um mesmo grupo (como o intermediário, por exemplo, em que o Brasil está situado) são muito comuns e ocorrem o tempo todo com diversos países, visto que os números são muito próximos na divisão decimal com a qual o IDH produzido. O incomum é subidas e descidas de países de um grupo para outro. Mas que manchete isso daria?

Informações sobre o Sri Lanka

Em tempo: a BBC, cuja proposta de noticiário tem se mostrado bem diferente dos jornais tradicionais já mencionados, destacava em sua manchete principal do dia: “IDH melhora em 2014, mas crise longa ameaça avanço.” Arrisco um palpite: nem foi tão difícil assim fazer uma manchete como esta. Bastou clareza e vontade de informar. Não seria isso o que tem faltado à nossa imprensa?

Obs. 1: cabe notar que, apesar do Sri Lanka ter sido onipresente em todas as matérias jornalísticas citadas, seja na manchete, no título auxiliar, no lide ou no corpo da notícia como forma depreciativa, nenhuma matéria mencionou sequer onde fica ou suas particularidades.

Obs. 2: Antigo Ceilão, uma ilha que fica no Oceano Índico, tem como seu esporte nacional o vôlei. Estas e tantas outras informações sobre o Sri Lanka são facilmente encontradas na Wikipédia.

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Alexandre Marini é sociólogo