Jornalismo de pára-quedas. Cobertura por controle remoto. Reportagem de poltrona. Do ponto de vista do pobre correspondente estrangeiro, estas expressões representam o pesadelo maior na sua vida solitária. Mas, infelizmente para a imprensa americana, esses termos estão aparecendo com freqüência assustadora no que diz respeito à sua cada vez mais parca cobertura internacional.
Acostumado a reportar acontecimentos internacionais para o consumo nacional, o correspondente estrangeiro americano se encontra agora na situação inusitada de ser alvo do noticiário. E seguindo a regra de que notícia boa não vende jornal, ou anúncio de televisão, as recentes manchetes são no mínimo desalentadoras.
Primeiro foi o jornal The Boston Globe, que anunciou no início de fevereiro o fechamento de suas sucursais em Berlim, Bogotá e Jerusalém. Logo em seguida foi a vez do Baltimore Sun enfiar a faca afiada em suas sucursais na África do Sul e Rússia – isso depois de cortar recentemente as da Inglaterra e China.
Ponto dramático
Uma possível justificativa para essa situação é a absorção de jornais outrora independentes por grupos editoriais de maior porte. O Boston Globe, por exemplo, foi comprado pela New York Times Company em 1993. E, indiscutivelmente, a racionalização da diretoria do Globe foi eliminar o desperdício de manter um time de correspondentes próprio, quando a empresa como um todo já tem um time titular em campo, jogando tanto pelo New York Times como pelo irmãozinho europeu, o International Herald Tribune.
A lógica motivadora do Baltimore Sun é igualmente eficaz. O jornal vai simplesmente utilizar as matérias produzidas pelas sucursais e correspondentes internacionais do Los Angeles Times e Chicago Tribune, que juntamente com o Sun fazem parte da Tribune Company.
Esses fatos representam apenas mais um estágio em um processo longo e gradual. Segundo um estudo do Shorenstein Center, ligado à Universidade Harvard, o número de correspondentes estrangeiros dos jornais americanos caiu de 188 em 2002 para 141, em 2006 (excluindo o Wall Street Journal, que publica edições locais na Europa e Ásia). E o ponto dramático do estudo foi ter sido elaborado não por acadêmicos anônimos, mas por alguém com experiência – no caso trágica – no tocante à cobertura internacional: Jill Carroll, correspondente do Christian Science Monitor, que no ano passado passou 80 dias seqüestrada no Iraque.
Foto adulterada
As más notícias não param aí. Um estudo conjunto do Project for Excellence in Journalism e do Poynter Institute revela que a porcentagem de matérias internacionais nas primeiras páginas dos jornais americanos caiu de 27% em 1998 para 14%, em 2004. E, por último, segundo uma pesquisa da American Journalism Review, as redes de televisão ABC, NBC e CBS reduziram suas sucursais internacionais de um total de 42 em 1989 para 24, em 2003. Deve-se ressaltar que apesar dos avanços de canais de notícias como CNN e Fox News, a maioria absoluta da audiência nos Estados Unidos ainda acompanha os noticiários pelas redes tradicionais.
Em parte causadoras e em parte beneficiárias dessas tendências são as agências de notícias internacionais como a Associated Press (AP), Reuters e Agence France Presse (AFP). Todas possuem um aparato jornalístico de alcance global. O problema é o equilíbrio editorial, decorrente de sua dependência dos correspondentes e colaboradores locais.
A realidade é que os artigos de um correspondente estrangeiro carregam – ao menos figurativamente – o selo da tradição e integridade jornalística da matriz. O mesmo não pode ser dito de colaboradores locais, que justamente por fazerem parte do contexto acabam por prejudicar a imparcialidade da cobertura, em geral por motivação ideológica – seja esta voluntária ou não.
O exemplo recente de maior repercussão dessa síndrome foi o do fotógrafo libanês Adnan Hajj, free lancer da agência Reuters. Graças à pressão incessante de inúmeros blogs, comprovou-se que ele havia utilizado programas de computador para adulterar a quantidade e intensidade da fumaça de bombas lançadas por jatos israelenses, em fotos tiradas durante o conflito com o Líbano, em 2006. Enquanto é inteiramente plausível que um correspondente enviado pela matriz demonstre certa simpatia por um dos lados de um determinado conflito, uma fraude nesta escala é certamente bem mais improvável por parte de um jornalista que tenha passado pelo crivo da alta hierarquia de uma redação.
Cobertura ligeira
No outro lado da moeda está o jornalismo de pára-quedas. Como a expressão sugere, esta prática decorre do deslocamento relâmpago de correspondentes para áreas de conflito. É quase como uma pequena intervenção militar. Estourou a recente guerra na Somália, por exemplo, e um pelotão de jornalistas invadiu a região para reportar o básico ululante e se mandar o quanto antes. Afinal, quem vai querer ficar estacionado na Somália? O resultado é uma cobertura insípida e deturpada pela falta de contexto histórico.
Paralelamente, uma tendência usada com freqüência é a expansão geográfica da área de cobertura dos correspondentes. O melhor exemplo é o tema de um simpósio planejado pela World Association of Newspapers (WAN) para seu encontro em junho próximo, na África do Sul. O tema central escolhido já diz tudo: ‘É possível cobrir a África com um só correspondente?’ Por incrível que pareça, eles oferecem a esperança de revelar práticas – no mínimo milagrosas – para melhorar a cobertura de um continente com 900 milhões de pessoas espalhadas em 50 países, supostamente ainda por um solitário jornalista.
A transformação do correspondente estrangeiro de símbolo de prestígio para mero quebra-galho jornalístico explica a cobertura esporádica e ligeira recebida pelo Brasil por parte da imprensa americana. O New York Times, por exemplo, demonstra uma peculiar predileção por matérias analíticas da sociedade brasileira, baseadas em observações das praias do Rio de Janeiro. É a última moda em jornalismo internacional: cobertura por conveniência. Pautada para unir o útil ao agradável, é certamente bem melhor do que cobrir a violência do alto das favelas.