Na segunda-feira (13/1), o jornal britânico The Guardian causou polêmica ao remover de seu site um artigo controverso que criticava uma paciente com câncer por utilizar o Twitter para narrar sua luta contra a doença. Na coluna em questão, a jornalista Emma Gilbey Keller citava a conta de Twitter e o blog da americana Lisa Bonchek Adams, mãe de três filhos, que tem câncer de mama em estágio 4. Emma questionou Lisa por documentar sua doença em um fórum público. “Será que seus tweets equivalem a selfies sombrios no leito de morte, um passo além dos selfies feitos nos velórios?”, escreveu.
O texto foi considerado insensível, e internautas – principalmente os seguidores de Lisa no Twitter – deram início a uma avalanche de críticas online, acusando Emma de descaracterizar as intenções da blogueira. A jornalista também foi reprovada por ter publicado em sua coluna mensagens particulares trocadas com Lisa.
Coincidência ou não, o Guardian apagou a coluna exatamente no dia em que Bill Keller, marido de Emma e ex-editor executivo do New York Times, publicou um texto sobre o mesmo tema no diário nova-iorquino, o que levou a um ressurgimento da controvérsia.
O Guardian alega que deletou o artigo de Emma para “fins de averiguação”. Uma fonte interna disse que o tom da coluna e seu conteúdo haviam sido analisados desde a publicação, e que sua remoção do site do jornal não estava relacionada à publicação do artigo de Keller no Times.
A decisão editorial do Guardian rendeu questionamentos também no meio jornalístico. Bill Grueskin, diretor de assuntos acadêmicos na Escola de Jornalismo da Universidade Columbia, foi um dos que questionaram a atitude do veículo, dizendo no Twitter que ela “estabelece um precedente preocupante”.
The @guardian has set a worrisome precedent by removing the controversial @emmagkeller cancer column http://t.co/wlZKUCPufP
— BGrueskin (@BGrueskin) January 13, 2014
Panos quentes
O tom utilizado na coluna de Keller foi mais ameno do que o de sua mulher: ele tentou inserir a situação de Lisa em uma discussão mais ampla sobre cuidados ao final da vida. Porém, isso não amenizou a contenda.
Devido a todo o debate online, até a ombudsman do Times, Margaret Sullivan, interveio, publicando sua própria análise do caso. De acordo com ela, as duas colunas deveriam ser enxergadas pelos críticos como “um golpe com duas vertentes que, em conjunto, funciona melhor do que se resumido a suas partes”. Depois de pesar a reação positiva e negativa dos leitores e de conversar com Bill Keller, ela concluiu que “existem questões aqui que envolvem tom e sensibilidade”.
Keller respondeu à ombudsman: “Alguns leitores têm interpretado meu ponto de vista erroneamente, e outros – os mais agressivos – parecem acreditar que qualquer coisa abaixo de um ‘Muito bem, Lisa!’ é desumano ou um sacrilégio.” Ele acrescentou ainda que nem sua coluna, nem a de sua mulher, foram “um ‘golpe’ em Lisa Adams ou em suas escolhas”.
Por e-mail, Keller ampliou os comentários feitos a Margaret. “O aspecto mais perverso dentre tantos é a ideia de que Emma, ??que passou por uma dupla mastectomia em 2012, de alguma forma não tem empatia com as vítimas de câncer de mama”.
Ele frisou ainda que é triste que duas discussões sérias – “conviver com uma doença terminal em nosso mundo hipertransparente” e “a escolha de reação do paciente diante de uma doença terminal” – estejam sendo “abafadas por uma onda de politicamente correto”.
“Exemplo”
Emma não quis comentar o assunto. Lisa, por sua vez, chegou a refutar a opinião de Keller em sua conta no Twitter, alegando que o texto continha dados equivocados. “A coluna ignora tudo que estou tentando fazer. [Estou] atordoada. Aborrecida”.
Ela também chegou a se explicar aos seguidores, frisando seu ponto de vista: “Eu não fico sofrendo no Twitter. Obviamente quero informar as pessoas sobre o jeito como minha vida funciona. Acho que, se feito do jeito certo, não é deprimente. Há tantas pessoas que escrevem sobre a convivência com o câncer. Por que no meu caso seria diferente? Se os Keller realmente acompanhassem o que escrevo desde o diagnóstico da metástase, em 2012, eles teriam visto que publiquei poucos tweets reclamando.”
Por fim, em seus tweets mais recentes, Lisa afirmou que estava passando por uma semana de radioterapia intensa e encerrou a discussão: “Não estou concedendo entrevistas de qualquer tipo neste momento. Por favor, não faça quaisquer solicitações. Estou concentrada apenas no tratamento do câncer. Obrigada.”
I am not granting any interviews of any kind at this time. Please do not make any requests. I am focusing on cancer treatment only. Thanks.
— Lisa Bonchek Adams (@AdamsLisa) January 14, 2014
O Times publicou, na terça-feira (13/1), uma carta do irmão de Lisa, Mark Bonchek. “Em vez de ser criticada, Lisa deveria ser reverenciada como um exemplo do que significa aceitar ‘o destino inevitável com graça e coragem’. Milhares de seus leitores já encontraram informação e inspiração. Infelizmente, o senhor Keller não pôde fazer o mesmo”, dizia a mensagem.