Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De estrela a saco de pancadas, em uma semana

O caso Watergate fez com que o então jovem repórter do Washington Post Bob Woodward entrasse para a história. Trinta anos depois, ainda no Post, ele se desdobra entre o trabalho de jornalista, de escritor, comentarista de TV e palestrante. Interpretado no cinema pelo galã Robert Redford, Woodward ainda serve de modelo para jovens jornalistas – e é, sem dúvida, uma celebridade na imprensa americana.

Todo o prestígio foi esquecido na semana passada, entretanto, quando a mesma imprensa da qual Woodward faz parte tornou pública a informação de que o jornalista, para surpresa geral, está envolvido no escândalo do vazamento da identidade secreta da agente da CIA Valerie Plame. Woodward testemunhou na segunda-feira (14/11) sobre o caso e contou ao promotor Patrick Fitzgerald que soube da identidade de Valerie, um mês antes de sua divulgação, por um alto funcionário do governo. A fonte confidencial, que ele confirmou durante o testemunho de duas horas, permanece em sigilo.

Criticado por quase todos os lados, Woodward tornou público um pedido de desculpas ao editor-executivo do Post, Leonard Downie Jr., que soube da história há apenas um mês. Pegou mal para o jornal. Em uma troca de mensagens interna na redação, na semana passada, foi dito que a atitude de Woodward, que hoje é editor, prejudica a credibilidade do resto da equipe. ‘Esta é a conseqüência inevitável quando uma instituição permite que um indivíduo se torne maior do que ela própria’, lia-se em uma das mensagens, que defendia que o jornal precisa reexaminar o ‘sistema de estrelas e seus riscos’.

Em sua coluna de domingo (20/11), a ombudsman do Post, Deborah Howell, também repreendeu Woodward, afirmando que ele prejudicou a credibilidade do jornal e cometeu dois pecados graves: esconder a informação de Downie Jr. por mais de dois anos e comentar o caso Valerie Plame em programas de TV sem revelar que também estava envolvido nele.

Críticos externos também opinaram sobre o caso. ‘A metamorfose de Woodward nas últimas décadas, de forte repórter investigativo a gentil cortesão dos poderosos’, é desencorajadora, afirmou a ex-produtora da CBS News Rory O’Connor, que dirige o sítio MediaChannel.org. Já a professora de ética na mídia da Universidade de Minnesota Jane Kirtley destacou que ‘quando você passa a fazer parte de algo, inevitavelmente você se envolve de uma maneira que é problemática para um jornalista’.

Desapontamento e perdão

Downie Jr., por sua vez, afirmou ter ficado desapontado com a situação, mas aceitou o pedido de desculpas. O editor-executivo disse que pretende manter Woodward na equipe, apesar das críticas. ‘Nós combinamos que nos comunicaremos melhor daqui pra frente’, afirmou. Downie Jr. contou também que o jornalista explicou a ele suas razões para não ter contado que sabia sobre a identidade da agente secreta. Woodward teria afirmado que a informação foi uma parte pequena e insignificante de uma longa entrevista sobre outros assuntos. Atarefado, prestes a terminar de escrever um livro, ele não deu a devida atenção à revelação, que ‘não pensou que fosse importante’. O jornalista teria confessado também que não queria ser intimado a testemunhar sobre o caso, já que protegia uma fonte confidencial.

Woodward foi defendido por Benjamin Bradlee, que era editor-executivo do Post durante o caso Watergate. ‘Ele pode ser difícil às vezes, mas os benefícios são óbvios. Ele é um tremendo bem para uma equipe’. Já seu ex-colega de trabalho Carl Bernstein ressaltou sua integridade jornalística. ‘O mais importante a se compreender sobre Bob é que nós sabemos mais sobre os últimos cinco governos [federais americanos] porque ele fez o trabalho duro que outros repórteres não fizeram. É isso que devemos ter em mente, mais do que qualquer outro fato’, afirmou

A revelação do envolvimento de Woodward no caso Valerie Plame levantou questões sobre o potencial conflito de interesses entre seus múltiplos compromissos. O jornalista comentou o caso na televisão por diversas vezes, sem que seus editores, leitores e telespectadores soubessem que ele estava inteirado das informações pelas quais outros repórteres foram obrigados a testemunhar. Mesmo quando a imprensa tornou-se parte central da investigação – com a prisão de Judith Miller –, ele continuou a ocultar seu papel no caso.

Em 27/10, em mais uma entre dezenas de participações no programa de Larry King, na CNN, Woodward comentou mais uma vez o caso e concluiu: ‘Quando a história for revelada, estou certo de que descobriremos que teve início como uma fofoca, um comentário rápido’. Informações de Joe Strupp [Editor & Publisher, 16/11/05], Katharine Q. Seelye e Scott Chane [The New York Times, 17/11/05] e Adam Entous [Reuters, 20/11/05].