Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Diálogo aberto com a sociedade

As contribuições da sociedade civil ao seminário ‘Em Construção – Encontro EBC: diálogos com a sociedade civil’, realizado na quarta-feira (2/12), em Brasília, foram o que se pode chamar de ponto alto de um encontro que pretendeu ouvir críticas e fortalecer seu processo de interação com o público. As contribuições do público presente e dos convidados da direção da Empresa Brasil de Comunicação foram desde reclamações referentes à baixa qualidade do sinal das emissoras da empresa até ao modelo de TV adotado pelo Brasil, que pode por em risco o futuro de uma TV pública aberta generalista, passando por críticas aos índices de audiência e à falta de inovação nos formatos e conteúdos das emissoras da EBC.


O seminário organizado pela EBC focou, num primeiro momento, as questões relativas ao papel da estatal na constituição de um sistema público, abrindo espaço para a visão da empresa e a visão da sociedade. A participação dos diretores da Empresa Brasil de Comunicação acabou ensejando uma espécie de balanço dos dois anos de sua existência, mas o seminário também se deteve sobre questões específicas como a operação em rede, o conteúdo e a programação das mídias públicas.


Para compor as mesas em cada um dos temas, foram convidados representantes de entidades ligadas às mídias do campo público, organizações relacionadas ao tema do direito à comunicação, à comunicação comunitária e aos produtores independentes, além de pesquisadores e representantes do Conselho Curador e da Ouvidoria da EBC. Os usuários dos veículos da EBC, além de representados pelo público presente – pequeno, considerando-se o ineditismo da iniciativa –, ganharam espaço na programação oficial com a participação de um ‘ativo telespectador’ selecionado pela Ouvidoria.


Tratamento cuidadoso


O primeiro a falar no espaço reservado à ‘visão da sociedade’ foi o ouvidor da EBC, Laurindo Lalo Leal Filho, que falou das adversidades de se fazer comunicação pública em um cenário bastante centrado nos meios privados. Ele também lembrou que, no Brasil, até as medições de audiência e desempenho das empresas são cada vez menos confiáveis, e citou o caso da denúncia feita pela Record contra as medições do Ibope. Já em relação aos trabalhos da Ouvidoria, lembrou que estão disponíveis na página da EBC relatórios bimestrais produzido por ela e que detalha todas as contribuições recebidas.


De antemão, Lalo ressaltou que há um grande número de elogios à programação infantil da emissora, mas, em contrapartida, muitas críticas foram feitas à mudança de programação sem aviso prévio na grade da TV Brasil. ‘Se a água ou a luz vai faltar e o gestor souber que é previsível, ele avisa à população. A mesma coisa deveria ter sido feita com relação à programação da TV Brasil. Mudanças na TV pública devem ser avisadas com antecedência. É um serviço público, não pode ser diferente’, enfatiza Lalo.


Após as palavras do ouvidor, foi a vez de Dioclécio Luz, indicado pela Ouvidoria pela sua ativa participação e contribuição nos canais de diálogo, tecer seus comentários à programação das emissoras da empresa às quais ele consegue ter acesso como morador de Sobradinho, cidade satélite de Brasília. Na platéia, críticas ao sinal da TV Brasil e da Rádio Nacional já haviam sido feitas, inclusive por moradores de Sobradinho. A questão levantada por estes participantes foi de que se nem nas cidades satélites o sinal era bom, quiçá nos lugares mais longínquos.


Dioclécio, entretanto, iniciou sua contribuição falando do potencial das emissoras públicas para fazer um bom jornalismo para o país. ‘Essa coisa de ser chapa branca, eu acho que já foi descartada’, comentou, fazendo menção às críticas recebidas pela EBC, especialmente por parte de colunistas de veículos da mídia comercial. Ao longo de sua fala, Dioclécio fez observações a todos os programas da grade da TV Brasil e também da Rádio Nacional. Quanto à programação desta última, Dioclécio fez questão de ‘informar aos gestores’ que o Brasil tinha boas músicas modernas e que elas precisavam estar na programação. Aproveitou a oportunidade para falar também dos filmes brasileiros, constantemente reprisados pela TV Brasil.


A crítica mais contundente feita pelo convidado foi à transmissão da missa aos domingos pela manhã. ‘É uma vergonha a EBC aceitar transmitir programas religioso. Se for para transmitir esse tipo de programação, que sejam chamadas também outras religiões. Se é para ter um que tenha todos’, disse Dioclécio. Ele sugeriu também que temas polêmicos como aborto e transgênicos, para dar exemplo, fossem tratados de forma mais cuidadosa e com a perspectiva mais explicativa aos telespectadores.


Conselho, crianças e linha editorial


Após as contribuições de Dioclécio, que teve visível apoio da platéia, Bia Barbosa, representante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social apresentou as contribuições do coletivo à EBC. Parte destas contribuições já havia sido apresentada publicamente durante audiência pública realizada pelo Conselho Curador da empresa.


Segundo Bia, a linha editorial da empresa tem que ir além da junção de programações compartilhadas e ainda é preciso avançar para trazer mais pluralidade e diversidade na programação de todos os veículos. Ela sublinhou, especificamente, a necessidade de se valorizar o recorte de gênero dentro da programação da EBC, ampliando a já declarada sensibilidade à causa das mulheres.


Para o Intervozes, a sociedade deve contribuir de forma mais efetiva com a programação das emissoras da empresa e deve ficar clara a linha editorial para quaisquer cidadãos ou cidadãs. Ainda na opinião do coletivo, o Conselho Curador deve também se preocupar com questões que vão além de ajustes na programação e no conteúdo e além da TV Brasil. O financiamento e a gestão da EBC devem estar na pauta do Conselho Curador também.


Ao falar do conselho, Bia não perdeu a oportunidade de cobrar da instância um posicionamento dos atuais membros sobre o processo de eleição da próxima gestão. ‘O Intervozes sugere que essa eleição seja feita de forma direta, com participação de toda sociedade’, defendeu. ‘É importante frisar que o critério de notoriedade usado pelo presidente da República para escolha dos membros da sociedade civil no Conselho Curador não deu certo. Seis dos conselheiros indicados deixaram o cargo. Temos que pensar outra maneira que leve em conta o envolvimento da pessoa com a questão.’


As críticas feitas pela representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Roseli Goffman foram com relação à discussão da neutralidade na linha editorial. Roseli defende que a EBC adote outro critério, ‘visto que as pessoas são compostas de subjetividades e a neutralidade não existe’. ‘Eu espero que a emissora pública adote outro paradigma’, comentou Roseli, que é membro do Conselho Federal de Psicologia.


Roseli também mostrou-se preocupada com a programação infantil, principalmente da TV Brasil. Segundo a psicóloga, outros modelos devem ser pensados para atrair a atenção das crianças, principalmente aquelas que estão entre 6 e 9 anos que atualmente trocam a telinha pelos jogos de videogame. ‘Não podemos perder a oportunidade de fazer com que a programação para a criança seja atrativa e interativa’.


Da Associação de Amigos da TV Brasil, representada por Beto Almeida, vieram sugestões de maior cuidado com a linha editorial dos jornais. ‘Hoje vimos a Tereza Cruvinel falar que nem os amigos, nem os inimigos da TV pública sabem os problemas pelos quais eles estão passando, e isso é uma verdade’, ponderou. ‘Contudo, questões de cuidado com a linha editorial não depende necessariamente de estrutura e financiamento. Chamar um golpista de presidente em meio a um golpe pelo qual passava Honduras é um erro de postura. Não porque o governo brasileiro teve essa posição, mas porque foi também a postura de diversos organismos internacionais.’


Conteúdo e programação acirram debate


Já no debate sobre conteúdo e programação, o jornalista e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Antônio Brasil, conhecido como crítico ferrenho da TV Brasil, subiu o tom em suas falas. O ex-repórter e cinegrafista da Rede Globo iniciou sua fala expressando a surpresa em ter sido convidado pelos gestores da EBC, pois, segundo Brasil, todo mundo o conhece e sabe as críticas que ele faz.


Antônio fez falas contundentes, causando visível desconforto. Uma delas foi que se ‘faltasse a TV pública ninguém sentiria falta, mas que se uma novela saísse do ar todo mundo iria reclamar’. A outra provocação do professor foi sobre a audiência: ‘A TV comercial é aquela que a gente atira pedra, mas todo mundo assiste, e a TV pública é aquela que todo mundo elogia e ninguém assiste. Parece uma coisa meio esquizofrênica.’


Da platéia, antigos gestores e defensores do sistema público como o Jorge da Cunha Lima, membro do Conselho da Fundação Padre Anchieta/TV Cultura de São Paulo, e Orlando Guilhon, presidente da Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub) e superintendente de Rádios da EBC, questionaram as colocações de Antônio. Ambos rechaçaram o critério da audiência, que, segundo os gestores, não podem servir para a TV pública.


Tetê Moraes, da Associação Brasileira de Cineastas (Abraci), que estava na mesa, também rebateu a comparação da audiência das emissoras públicas com a das comerciais. ‘Não dá para comparar a capilaridade da audiência que a Globo tem, por exemplo, com a de uma TV em construção’, pondera a cineasta, que defendeu que a construção do público não se constrói da noite para o dia e que a TV comercial tem o público que tem porque foi a opção ao longo de muitos anos.


Jorge da Cunha Lima por sua vez defendeu que ‘os gostos não vêm da demanda e sim das ofertas’ e que, portanto, ainda é muito cedo para falar de uma pouca audiência. Entretanto, Cunha Lima também criticou a mediocridade da TV pública, que ele considerou como ‘espantosa’.


Das contribuições de Antônio Brasil – que questionou ainda um possível maniqueísmo entre ‘os que defendem a TV pública que por ser pública é consqüentemente boa e os que defendem a TV comercial que, sendo assim, é conseqüentemente ruim’ –, a mais bem recebida pelos presentes foi a de que não tem havido inovação e ousadia da TV pública. ‘A emissora pública faz tudo menos inovar e isso era justamente o que ela teria condições de fazer por não depender da audiência’.


Os desafios incluem a inovação


A discussão da inovação no conteúdo sugere também uma discussão sobre a inovação tecnológica que bate às portas dos sistemas de comunicação no mundo, comerciais ou públicos. Contudo, as mídias consideradas públicas no Brasil sofrem mais por terem passado um longo período de poucos investimentos, seja em pessoal ou em tecnologia.


Para Gabriel Priolli, jornalista e especialista em TV pública, ‘a mídia pública, de modo geral, ainda está no século 20, quando não, ainda estamos no século 19. Estamos debatendo mídias que em sua maioria são unidirecionadas, sem interatividade e por isso estamos perdendo até a audiência infantil’, questiona.


Ainda em sua fala, Antônio Brasil afirmou que a ‘televisão generalista aberta pode ser coisa do passado em um futuro relativamente breve’. O professor da Universidade de Brasília e também Coordenador do Laboratório de Políticas de Comunicação (Lapcom), Murilo César Ramos, também refletiu sobre esta questão do modelo da mídia brasileira, ao qual deve estar subordinado todo o debate sobre a EBC.


Ramos lembra que os Estados Unidos já passam por uma crise muito grande no modelo de televisão generalista. Como o Brasil herdou o modelo americano de comunicação, centrado em um sistema predominantemente comercial, é capaz que esta crise também aqui chegue. ‘Há uma tendência de segmentação e daí você começa a ver o fim desse modelo generalista. Pode-se dizer que a Band, por exemplo, já é quase uma tevê segmentada’, comenta Ramos.


Contrariando esse modelo e, portanto, admitindo a comunicação diferentemente de um mercado ao sabor das audiências, Ramos coloca que o modelo da televisão aberta generalista, ao contrário, não é o paradigma na Europa, onde prevalece o conceito da Radiodifusão de Serviço Público. ‘O futuro da TV aberta vai depender da política pensada para TV pública nesse espaço. Um país como o Brasil pode prescindir de uma TV generalista?’, compara Ramos.


Novas políticas e marco regulatório para comunicação


Para pensar uma nova normatização para comunicação, que se faz urgente diante de tantas inovações tecnológicas e, como também pontuou Ramos, da oportunidade da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, não se pode deixar de incluir nas discussões o conceito de Radiodifusão de Serviço Público. ‘Na nova normatização esse conceito tem que ser tratado com muito carinho. Eu entendo, por exemplo, que o 223 [Artigo 223 da Constituição Federal que trata sobre a complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de comunicação] é uma armadilha. Mesmo a TV comercial, ela deve ser de serviço público. Devemos colocar um elemento central nesse debate que é o de Radiodifusão de Serviço Público, que é fundamental não só para as [emissoras] públicas como para as comerciais’, conclui Ramos.


A necessidade de novas políticas para as comunicações – além do novo marco regulatório, que já está em andamento com a própria criação da EBC – também foi assunto recorrente durante o seminário. O clamor por novas políticas deixou claro também a necessidade de interface entre setores como comunicação e cultura, por exemplo.


A cineasta Tetê Morais aproveitou para defender uma política de promoção do audiovisual baseada no modelo europeu, no qual é comum co-produções das empresas públicas com produtores independentes. Para a representante da Associação Brasileira de Cineastas, deve haver políticas mais incisivas de fomento à produção independente bem como a produção parceria entre cineastas a televisão pública.


Vale lembrar que entre os dias 14 a 17 de dezembro acontece em Brasília a 1ª Conferência Nacional de Comunicação e mais uma vez serão debatidas questões relacionadas ao Sistema Público de Comunicação brasileiro, bem como às políticas para setor. Desta vez, com um público de mais de duas mil pessoas, das quais 1.684 são delegados representantes de todos os estados brasileiros.


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Seminário da EBC marca abertura do diálogo com a sociedade


Apesar de a data escolhida ser propícia a balanços e prestações de contas, já que no mesmo dia foram comemorados os dois anos da TV Brasil, o seminário convocado pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC), intitulado ‘Em construção – Encontro EBC: diálogos com a sociedade civil’, deixou no ar a necessidade de que o evento seja transformado em processo contínuo de abertura da empresa à participação dos usuários das mídias públicas por ela controladas. O evento registrou mais perguntas e cobranças do que respostas. Boa parte delas, apresentadas pelos representantes das diversas entidades convidadas, vem se repetindo desde a criação da estatal. A própria realização do seminário, saudada como positiva por todos os participantes, abriu um espaço que há muito vinha sendo cobrado pela sociedade civil em relação à participação e intervenção na construção da empresa.


Por princípio, um sistema público depende de participação popular para tornar-se democrático. Na comunicação não poderia ser diferente e, desta forma, desde o início dos trabalhos da EBC, a empresa foi criticada pela ausência de fóruns como esse. Até a quarta-feira (2/12), entretanto, apenas uma audiência pública havia sido realizada pelo Conselho Curador da EBC em julho desse ano, aos 17 meses de vida da empresa. O Conselho, no entanto, tentou restringir a pauta às questões relacionadas à TV Brasil, restrição que foi ignorada pelos participantes que ambicionavam tratar do sistema como um todo, demonstrando desde então a necessidade de um debate mais amplo [saiba mais].


Durante o seminário da quarta-feira (2), diversos participantes ressaltaram a importância do evento como um marco na abertura da EBC à participação social. O jornalista Beto Almeida, fundador da Associação de Amigos da TV Brasil, afirmou ser muito positivo a empresa estar abrindo espaços para receber críticas. ‘Há uma sensibilidade à participação crítica do público e isso já é um bom caminho.’


Bia Barbosa, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, cobrou que a EBC, ao final do encontro, desse também respostas aos vários questionamentos apresentados, inclusive apresentando sugestão de prazos para começar a se resolver os problemas apontados durante o evento.


O superintendente de Rede da EBC, José Roberto Garcez, informou que seminários idênticos deverão ser realizados também em outros estados e que já está confirmado que Rio de Janeiro e São Paulo sediarão encontros como esse até março de 2010. Garcez disse ainda que é desejo da empresa fazer, também em 2010, esta abertura ao diálogo com a sociedade em todas as regiões do país.


Na abertura do evento, a diretora-presidente da EBC Tereza Cruvinel pontuou que a realização do encontro representa o ‘sentimento de antipatrimonialismo’ dos gestores da EBC. O sistema público, segundo Cruvinel, não é do governo, é da sociedade e deve ser gerido de forma republicana e transparente.


Cruvinel diz que pode deixar presidência


Apesar de reiterar a necessidade de republicanismo e transparência, Cruvinel queixou-se das dificuldades de gerir uma empresa pública. ‘Quando se cobra da EBC certas providências, é preciso que se entenda as suas limitações institucionais. Ela tem falhas sim, ela tem limitações sim, e por isso ela não é capaz de responder com a ansiedade e com velocidade que a sociedade civil e que nós muitas vezes queremos.’ A presidente da EBC estava visivelmente cansada e abatida, e pela primeira vez disse publicamente que pensa em deixar o cargo por questões de saúde.


Na avaliação de Cruvinel, o principal saldo do processo de criação da EBC foi o arcabouço normativo aprovado para criar a empresa, que se reflete sobre toda a noção de sistema público de mídia. Ela relembrou a luta pela aprovação da Lei 11.652/2007, que criou a empresa. ‘No período de maior adversidade, foi conquistada a maior vitória do sistema público’, afirmou.


O sucateamento das emissoras que foram reunidas na EBC e o atraso na aquisição e recebimento de novos equipamentos e tecnologias de informação foram mencionados pela presidenta como um problema grave. A Radiobrás, as TVs Educativa do Maranhão e do Rio de Janeiro, além das rádios do sistema federal estavam, segundo Cruvinel, sucateadas em praticamente todos os aspectos. Para encerrar o balanço em alta, a presidenta da EBC anunciou a criação do canal internacional da EBC que vai atender aos brasileiros que se encontram fora do país. (Mariana Martins)


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Para diretores da EBC, até agora tarefa foi ‘arrumar a casa’


O seminário ‘Em Construção – Encontro EBC: diálogos com a sociedade civil’ foi organizado pela direção da Empresa Brasil de Comunicação de forma a contemplar os ‘dois lados’ da questão central dos debates propostos: a relação entre a criação da empresa e o desenvolvimento de um sistema público de comunicação no Brasil. Sobre esta discussão mais conceitual, foram realizadas duas mesas, uma com diretores da EBC fazendo um balanço do processo de criação e instalação da estatal e outra com convidados, apresentando a visão da sociedade.


As exposições inicias feitas por diretores da EBC apresentaram os avanços e dificuldades da empresa. Uma visão compartilhada entre os participantes foi a de que, nestes dois primeiros anos, a EBC estava ‘arrumando a casa’. Para o diretor jurídico, Luiz Henrique dos Anjos, a empresa passou por um período de mais de um ano de mudanças e só agora está normalizando a sua organização e fluxo.


Luiz Henrique corroborou a afirmação da presidente Tereza Cruvinel de que um dos saldos positivos do processo de criação da EBC foi o arcabouço legal criado por ele. Segundo o diretor jurídico, a formulação e a aprovação do Decreto 6.689, que aprova o Estatuto Social da EBC e regulamenta a Lei 11.652 que cria a estatal, foi um importante avanço da legislação do sistema público e garantiu mais personalidade para a EBC.


Por outro lado, existem várias peculiaridades na lei que cria a EBC e na gestão da empresa que foram difíceis de lidar no primeiro momento. Luiz Henrique sublinhou que a EBC é a única empresa pública que tem no comando uma presidência com mandato e que esse dispositivo foi criado para dar mais autonomia a quem estivesse no cargo. Outra peculiaridade é também o Conselho Curador, que apesar de ter tido a sua primeira composição indicada pelo chefe do poder executivo, a partir de agora deverá ser composto por consulta pública. O modelo desta consulta deve ser apresentado em breve pelos conselheiros.


Há também a necessidade de criação de legislações específicas para editais de programação, tanto para TV quanto para rádio bem como para a criação da Rede Nacional Pública. ‘A criação dos primeiros arcabouços jurídicos demoram mais, mas depois, com um modelo pronto, tudo anda mais rápido. A democracia tem seu tempo, e ele é maior. Muito mais rápido seria construir de uma forma autoritária, mas não é disso que precisamos. Abrir editais que permitam aumentar a participação requer tempo. É o preço que se paga na democracia’, defendeu Luiz Henrique.


TV Brasil e rádios


O diretor de produção Roberto Faustino falou sobre as mudanças a curto prazo já previstas para a TV Brasil. Segundo pesquisas realizadas pela EBC, há uma dificuldade da TV alcançar o público na faixa etária entre 24 e 35 anos e, de acordo com Faustino, essa problemática será um dos focos da emissora já para 2010. O diretor anunciou que novos especiais estão sendo preparados ainda para o final deste ano e início do ano que vem, entre eles o ‘Capoeira pelo Mundo’, ‘Animais em Extinção’ e ‘Nasci para Morar’, que estão em fase de finalização. A TV também vai transmitir a Copa São Paulo de Juniores o que, ainda segundo Faustino, não se configura como uma política de cobertura de esporte contundente e definitiva, mas que revela que ‘até no futebol a TV Brasil vai ter uma outra pegada’.


Já o Superintendente de Rádios da EBC, Orlando Guilhon, falou do esforço que a empresa tem feito para afirmar sua personalidade e diferenciar o que é estatal e o que é público. ‘Estamos procurando dar uma modesta contribuição para a construção de uma cidadania. Garantir uma programação plural e diversificada é um dos nossos desafios. Mídias públicas como as nossas precisam respeitar esse foco.’


As rádios da EBC, por sua vez, defende Guilhon, trabalham com foco em um tripé fundamental: informação de qualidade, programação cultural e conteúdo segmentado dedicado à cidadania. O superintendente definiu informação de qualidade como aquela que aprofunda as questões e preza por documentário e reportagens. Já em relação à programação cultural, as rádios têm focado a música nacional e feito novas experiências como a radioarte e o resgate da radiodramaturgia. Por fim, os conteúdos segmentados visam, segundo Guilhon, reparar as distorções contra grupos excluídos da mídia comercial.


O superintendente falou ainda da importância das ferramentas de controle público como as audiências públicas, os seminários, os conselhos em todos os níveis, a realização de conferências de comunicação, dentre outras formas de participação.


Nenhuma destas questões, entretanto, estiveram no foco das críticas feitas às rádios da EBC. As principais reclamações foram em torno da sua abrangência. Atualmente apenas Rio de Janeiro, Brasília e parte da Amazônia contam com serviços prestados pelas rádios do sistema público nacional.


Jornalismo


A defesa do jornalismo, um dos pontos mais sensíveis para a empresa por ser constantemente atacado pela mídia comercial e já ter sido tachado de ‘chapa branca’ inclusive por ex-jornalistas da casa, ficou por parte Eurico Freitas Tavares, que representou a diretora de Jornalismo, Helena Chagas, que não foi ao evento e enviou uma carta aos participantes, lida por seu representante.


Em sua intervenção, Tavares falou da importância de não restringir a produção de notícias da empresa ao eixo Rio de Janeiro–São Paulo–Brasília e da preocupação de não reproduzir o que existe no jornalismo comercial. Defendeu a participação popular e que, no jornalismo público, o foco deve ser o cidadão e não o consumidor. Tavares pontuou ainda que o olhar do jornalismo da EBC deve estar voltado especialmente para a América Latina e para África, porque a cobertura jornalística destinada a estes locais pela mídia convencional não é satisfatória.


Preocupado com as novas tecnologias, o representante da Diretoria de Jornalismo disse ainda que um dos desafios da empresa é poder disponibilizar conteúdo para ser acessado pelo cidadão por diferentes meios. ‘Nós queremos que o cidadão possa acessar o conteúdo da EBC por diferentes meios, pela TV, pelo rádio, pela internet, pelo telefone, seja lá como for. O importante é nós oferecermos o serviço no meio disponível ao cidadão e não querer que ele disponha do meio mais fácil ou convencional.’


Por fim, Tavares mostrou insatisfação ‘com a velocidade com que as coisas andam’ e lembrou que a participação da sociedade que se tem hoje ainda não é a almejada pela EBC, mas que já é um primeiro passo. (Mariana Martins)