Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Diretor de diário francês renuncia após greve da equipe

Nicolas Demorand, diretor de redação do jornal francês Libération, pediu demissão depois que jornalistas do veículo entraram em greve. Demorand se envolveu em uma disputa com a redação, que se mostrou contrária à visão de seu diretor sobre o futuro do diário de esquerda, proposta em conjunto com acionistas.

Na semana passada, após uma greve de 24 horas, os jornalistas ficaram surpresos ao saber de um plano dos acionistas para transformar a sede do jornal em Paris em um centro cultural, em parceria com o designer Philippe Starck. As propostas incluíam a criação de um estúdio de televisão e rádio, bem como um restaurante e bar.

A redação respondeu com uma declaração na primeira página: “Somos um jornal… não um restaurante, não uma rede social, não um espaço cultural, não um estúdio de televisão, não um bar e não uma incubadora de start-ups” (ver, neste Observatório, "'Somos um jornal'"). De acordo com os jornalistas, o plano dos acionistas sugeria várias maneiras de ganhar dinheiro com a marca e a sede do Libération, mas não fazia qualquer menção ao jornalismo.

Fundado por Sartre

O Libération foi co-fundado pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre, em 1973, para ser uma voz para o povo e um antídoto ao jornalismo “inerte”. A primeira edição, publicada em 18 abril daquele ano, tinha apenas quatro páginas. O jornal tornou-se carinhosamente conhecido como Libé, apelido dado por seu público fiel, porém cada vez mais reduzido.

A renúncia de Demorand ocorreu três meses após um homem armado abrir fogo na sede parisiense do jornal, ferindo gravemente um assistente de fotografia.

Demorand declarou ao Le Monde que havia passado os últimos três anos tentando levantar capital para manter o jornal e pagar os salários, por conta da queda constante nas vendas. Em várias ocasiões, ele pensou que poderia ter de declarar falência.

O diretor disse ainda que os jornalistas se recusaram a aceitar os planos de “reestruturação total” do Libération para transformá-lo em uma organização multimídia centrada no jornal impresso, mudança que ele acreditava ser essencial para o futuro da publicação. Ele acrescentou: “O Guardian possui um café, mas antes de tudo é um grande jornal e um grande site. A imprensa escrita atual deve diversificar porque [um jornal] não consegue sobreviver sozinho, e as coisas não podem ser feitas apenas em torno de um jornal impresso e de um site forte. É necessário utilizar atividades periféricas na produção de um jornalismo de qualidade. É por isso que sugeri abrir nosso edifício ao público, mantendo a redação”.

“Jornal sem jornalistas”

O jornalista Nicolas Cori, representante do sindicato trabalhista no Libération, disse que os funcionários estavam “extremamente preocupados” com seu futuro e com o futuro do jornal. “O ponto principal é que eles querem que os jornalistas saiam, assim podem transformar o Libération em um espaço cultural. Não somos contrários aos planos de diversificação por si só, mas o que nos chocou é que o Libération seria reconstruído sem jornalistas. Onde ficam o jornalismo, os repórteres, o jornal no meio disso tudo? Perguntamos, mas não obtivemos resposta. Para nós, é impensável transformar o Libération em alguma coisa sem seus jornalistas”.

Demorand disse ter tomado a decisão de sair por achar necessário desbloquear a situação atual do Libération, que apresenta um conflito óbvio entre a equipe editorial e os acionistas. “Tive que lidar com crises graves durante meus três anos no Libération “, completou, “mas é a primeira vez que parece claro que sou eu quem deve ir embora”.